Não é de se surpreender que o nível do debate seja sempre um horror: se por um lado a direita nos empurra para o atraso enquanto compara educação sexual com "erotização precoce das crianças" e reduz os "valores cristãos" a uma delirante agenda antigay, a esquerda se mostra tão ou mais retrógrada ao lutar contra qualquer modelo de gestão que já tenha se mostrado minimamente eficiente mundo afora.
O discurso adolescente de "privatização do espaço público" – uma abstração que desde os anos 1990 só destila preconceito – voltou com tudo contra o projeto de Nelson Marchezan sobre praças e parques. A intenção do prefeito é conceder áreas verdes de Porto Alegre à iniciativa privada, nada mais razoável para reerguer uma cidade abandonada que mal mantém sua grama aparada.
É evidente que se pode discordar da proposta, mas a estratégia da oposição, em vez de argumentar, tem sido enfileirar mentiras em um debate infantiloide. "Imagine parques cercados e com cobranças de ingressos? Redenção, Parcão entregues à iniciativa privada? Nossa cidade não é mercadoria e não está à venda!", publicou no Twitter a deputada federal e ex-vereadora Fernanda Melchionna (PSOL).
Em um vídeo divulgado no WhatsApp, o vereador Marcelo Sgarbossa (PT) foi igualmente alarmista: "Marchezan quer privatizar praças e parques por até 35 anos". Ora, basta ler o projeto para entender que a prefeitura propõe o seguinte: a iniciativa privada faz a manutenção da área, corta a grama, instala equipamentos, pinta o que está feio, constrói estruturas – inclusive estabelecimentos – e, sim, cobra ingresso ao oferecer atrações específicas.
Por exemplo: o Parque da Harmonia, que passa 11 meses do ano virtualmente fechado, sempre à espera do Acampamento Farroupilha, sempre jogado às moscas, sem uma única atração empolgante, poderá ter churrascarias, bares, lojas temáticas, museu, parque de diversões etc. Alguém será impedido de entrar lá? Pelo contrário, mais gente vai circular no Parque da Harmonia, mas, quem quiser conhecer o museu, aí terá de pagar. Qual é o problema nisso?
A hipótese de cobrar ingresso para alguém entrar no parque, além de não constar no projeto, seria uma estupidez das próprias empresas.
A Redenção, hoje completamente esculhambada, não teria só o Café do Lago de volta, mas uma série de pequenos empreendimentos no entorno do laguinho. Será necessário pagar para entrar em alguns? Talvez, mas o movimento vai levar segurança e pulsação ao parque mais importante do Estado. A hipótese de cobrar ingresso para entrar na Redenção, além de não constar no projeto, seria uma estupidez – porque as empresas, obviamente, vão querer multidões de possíveis consumidores rodopiando dentro do parque, não fora.
Nesta quarta-feira (10), a Câmara Municipal deve terminar de votar o projeto da prefeitura. A oposição tem razão em lutar contra duas emendas apresentadas por vereadores da base aliada. Uma é de Mendes Ribeiro (MDB), que daria às empresas o poder de decidir se os parques devem, ou não, ser cercados – como se essa escolha pudesse ser usurpada da população. A outra é de Ricardo Gomes (PP), que permitiria fechar as áreas verdes para eventos privados.
Tirando essas duas aberrações, a gritaria contra o restante do projeto não é só injusta e desonesta. É mais uma prova de que a esquerda consegue, no Brasil, ser tão anacrônica quanto a direita.