Esse projeto de lei do vereador Marcelo Sgarbossa (PT), que pretende obrigar todos os restaurantes e bares de Porto Alegre a servir água de graça aos clientes, é o exemplo perfeito da política do parece bom. É um fenômeno disseminado por Câmaras e Assembleias de todo o país.
São sempre propostas simples, de fácil compreensão por qualquer eleitor, embaladas em um discurso meio altruísta que supostamente defende os desamparados. Porque, vamos combinar, só um porco capitalista sem escrúpulos pode ser contrário a oferecer um copinho d'água ao pobre diabo que prestigia seu restaurante. Mas vamos por partes.
Na justificativa do projeto, Sgarbossa diz que se trata de "uma ação importante de sustentabilidade" – porque reduziria o consumo de garrafas plásticas – e de "uma cultura de bem receber os clientes". Essa cultura, lembra o vereador, já é uma realidade nos Estados Unidos e na Europa, onde restaurantes costumam servir jarras d'água como cortesia aos fregueses.
Tudo isso é verdade. A questão é que, justamente por ser uma cultura, nem nos Estados Unidos nem na Europa são necessárias leis que obriguem estabelecimentos a fazerem isso. É uma cultura, não uma imposição. Essa cultura, aliás, já vem sendo importada por uma série de restaurantes de Porto Alegre. Eu mesmo frequento alguns e, como não bebo álcool e evito refrigerante, acho ótimo tomar água de graça quando vou jantar.
Mas a política do parece bom, simplista e arbitrária, tenta sempre uniformizar uma prática que dá certo em situações específicas. Se oferecer uma jarra grátis funciona até como atrativo no bistrô requintado do Moinhos – ou no pub que recebe turistas em Nova York –, essa mesma ideia apavora comerciantes como dona Orilde, proprietária do boteco Porta Larga, onde o pessoal toma cerveja aqui perto da Zero.
– Não posso ter mais esse corte, o movimento já caiu demais com a crise. Preciso vender umas garrafinhas. Preciso faturar pelo menos com o que ainda faturo, ou vou acabar fechando – disse-me dona Orilde, que, claro, não sabia do projeto porque não foi consultada.
Quer dizer: bares mais modestos, ainda acostumados a lucrar com água mineral, podem levar mais tempo para absorver essa cultura que Sgarbossa enaltece. E, mesmo entre os restaurantes chiques, não é função do Estado equiparar todos os concorrentes – porque assim se despreza a escolha do consumidor. Se para você é importante que o local sirva água de graça, faça como eu: frequente os que servem. Aos poucos, os outros terão de fazer o mesmo e, com o tempo, uma nova cultura vai se estabelecendo – como, aliás, já vem se estabelecendo.
A política do parece bom, tão comum na tradição paternalista do Brasil, atinge inclusive bons parlamentares.
Marcelo Sgarbossa, vale sublinhar, não é mal-intencionado, pelo contrário: é um vereador sério, atuante em questões fundamentais da cidade, especialmente o meio ambiente e a mobilidade urbana. Só que a política do parece bom, tão comum na tradição paternalista do Brasil, atinge inclusive bons parlamentares.
Só na Câmara de Porto Alegre, nos últimos anos, tivemos o caso do vereador que tentou exigir dos bares um cardápio exclusivo para diabéticos (o que acabaria com o xis chinelão da esquina); o caso da vereadora que queria proibir saleiros em cima das mesas (porque o cidadão é um idiota que não consegue evitar sozinho o excesso de sal); e o caso da parlamentar que tentou acabar com a venda de energéticos para adolescentes.
Todos vereadores sérios. Menos mal que suas propostas não prosperaram – e tomara que esse projeto da água grátis, pelo bem dos pequenos comerciantes, pelo bem da dona Orilde, pelo bem do consumidor, tenha exatamente o mesmo destino.