Vendedor de balas em sinaleiras, Raí Brum Vieira, 25 anos, não entende por que alguns fregueses reagiram tão mal quando souberam que ele comprou um carro.
– Pararam de levar minhas balas – relembra ele. – Achei estranho porque, se o pessoal vê que é para comprar droga, não leva nada. Mas, se vê que estou bem, não leva também.
Raí queria que ficassem felizes com sua conquista, mas talvez as pessoas tenham ficado chocadas. Quando avistam um rapaz perambulando entre carros, oferecendo qualquer coisa debaixo do sol, decerto imaginam que ele só queira um prato de comida. Não esperam que já tenha, como Raí tem, uma casa e um automóvel adquiridos com o dinheiro das vendas.
– Faturo bem, graças a Deus. Dá para sustentar minha família, pagar a creche do meu filho e guardar um pouquinho – diz o vendedor, lembrando que a casinha é modesta (custou R$ 10 mil) e que, na garagem, tem um Uno 1996.
Terceiro de seis filhos de uma empregada doméstica e de um metalúrgico, Raí cresceu e ainda mora na Vila Cruzeiro, na zona sul de Porto Alegre. Sua atuação como vendedor, em esquinas movimentadas da cidade, se destaca pelas frases grampeadas nos saquinhos de bala – sempre que o sinal fecha, ele pendura o produto nos retrovisores, para que os motoristas leiam.
– Outros vendedores preferem mensagens divertidas, mas eu gosto das que falam da família. Ou de solidariedade. Uma que criei e funcionou bem: "Na crise, um ajuda o outro e Deus ajuda nós. Com R$ 2 você já me ajuda" – conta Raí, que neste ano abriu sua microempresa e começou a contribuir para a Previdência.
Outros quatro rapazes o ajudam a vender as balinhas de eucalipto – é comum vê-los na esquina da Ramiro com a Protásio, ou no cruzamento da Aureliano com a Ipiranga. O próprio Raí começou assim, há sete anos: após ser demitido de um emprego informal, entregando panfletos de restaurante, pediu "uma oportunidade" (nas palavras dele) a um vendedor de bergamotas.
– Minha vida deu um upgrade trabalhando para ele. Vi que sinaleira, para quem gosta de trabalhar, dá dinheiro. De lá para cá, vendi de tudo: morango, rosa, bandeira do Brasil, carregador, cavalinho do Grêmio, revista de colorir. O cara precisa estar atento ao momento. As balinhas mesmo, logo vão ficar manjadas. Aí tenho que vender outra coisa.
Nas próximas semanas, Raí deve imprimir folhetos para uma ação que vem idealizando há tempos: como conhece muita gente pobre, sua ideia é recolher doações pelas ruas – tanto de roupas quanto de alimentos – e distribuí-las embaixo de viadutos e na própria Vila Cruzeiro.
– Todo mundo que comprou bala de mim me ajudou. Chegou a hora de eu ajudar – acredita ele, orgulhoso do nome que o projeto terá: Na Crise, um Ajuda o Outro e Deus Ajuda Nós.