– A senhora já viu uma piroga? – pergunta o professor.
Escandalizada com a indagação, Dona Bela dá um berro, leva as mãos à cabeça e desmaia em sala de aula. A personagem de Zezé Macedo, hoje interpretada por Betty Gofman, na Escolinha do Professor Raimundo, em seguida põe-se em pé, indignada, e xinga o educador de tarado, safado e pervertido.
– Só pensa naquilo! – conclui ela, que estranhamente se transforma enquanto pronuncia "naquilo": os olhos se reviram, um sorriso aparece, a língua invade os lábios.
Quer dizer, quem só pensa naquilo é Dona Bela – até porque piroga é só uma espécie de canoa. Uma moralista clássica: para manter reprimidos seus desejos sexuais, ela acusa de imoral quem ousa lembrá-la, ainda que sem querer, que esses desejos existem.
Lembrei disso porque, desde o início do governo, impressiona a quantidade de pessoas públicas que só pensam naquilo. É um governo realmente sexual, o que não deixa de ser paradoxal para quem condena qualquer menção a sexualidade em ambientes sociais que vão de escolas a museus.
No Carnaval que passou – talvez o Carnaval com menos peitos à mostra que o Brasil já viu –, o presidente deu um jeito de invocar essa fixação. Publicou no Twitter, para milhões de seguidores, um vídeo nauseabundo que nem meus amigos mais despudorados tinham visto, mas, para Bolsonaro, claro, o que choca mesmo a família brasileira é o desenho de um pinto com camisinha ilustrando uma caderneta de educação sexual.
No último Enem, lembram?, ele fez um escarcéu porque uma pergunta mostrava um linguajar adotado por travestis. Não havia nada de obsceno na questão, pelo contrário, a ideia era só averiguar se o aluno sabia o que é um dialeto – mas Bolsonaro não pode ler a palavra travesti que fica furioso.
Sexo, sexo, tudo é sexo.
Damares Alves, a ministra da Família, já disse que holandeses masturbam bebês, que muito hotel-fazenda serve para turista transar com animais e, logo após tomar posse, anunciou uma "nova era" em que "menino veste azul e menina veste rosa". Essa última declaração resume a ojeriza do governo a uma tal "ideologia de gênero". A pedagogia do silêncio sugere o seguinte: não digam às crianças que existem homossexuais, bissexuais, transgêneros, intergêneros etc, porque elas podem acabar virando gays.
Alguém que considera a orientação sexual um traço tão frágil e volátil, tão suscetível à influência de um professor, alguém com todo esse medo, o que Freud acharia disso?
Fico pensando: alguém que considera a orientação sexual um traço tão movediço, tão frágil e volátil, tão facilmente manipulável e suscetível à suposta influência de um professor, alguém com todo esse medo, o que Freud acharia disso?
Outra coisa curiosa é a obsessão do guru maior de Bolsonaro, Olavo de Carvalho, por um certo substantivo de duas letras. Um breve passeio por suas redes sociais mostra que a palavrinha serve, por exemplo, para rejeitar rótulos: "Ideólogo é o c* da sua mãe". Para criticar a sociedade atual: "Em breve só restarão duas religiões no mundo: maconha e c*". Para espinafrar a esquerda: "Quando um esquerdista brasileiro chama você de fascista, ele só quer dizer o seguinte: ai, meu c*". E por aí vai.
Carlos Bolsonaro, o Zero Dois do presidente, na terça-feira escreveu no Twitter que "ativistas LJYZ" e "meia dúzia de piçoulentos fedorentos" estão entre os que buscam desgastar o governo de seu pai. É sempre assim: a sexualidade vem carregada de receios, celeumas e reprovações. Dona Bela, pelo menos, não tem filhos.