Autor do pedido que levou ao processo de impeachment que derrubou a presidente Dilma Rousseff, em 2016, Miguel Reale Jr. fez duras críticas à divulgação de um vídeo obsceno pelo presidente Jair Bolsonaro em um post no Twitter, na terça-feira (5). Em entrevista ao jornal O Globo, Reale Jr. lembrou que a lei do impeachment, de 1950, prevê crime de responsabilidade se o chefe de Estado "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo".
— O que eu destaco é a absoluta desnecessidade de enviar este vídeo abjeto ao povo brasileiro para denunciar algo que tinha sido visto, previamente, por algumas centenas de pessoas. Um auxiliar, reservadamente, poderia fazer isso junto à autoridade policial. Com a divulgação, ele deu exposição a um fato restrito, sem nenhuma necessidade: ou seja, ampliou o ato. Algo que seria visto por algumas pessoas foi visto pelo Brasil inteiro — declarou o jurista.
Reale Jr. foi um dos protagonistas do impeachment de Dilma. Ao lado de Janaína Paschoal, ele foi responsável pela autoria do pedido que foi aceito pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB), em 2015. Posteriormente, o processo foi aberto e o Senado votou pela destituição da petista.
No caso da divulgação do vídeo por Bolsonaro, Reale Jr. afirmou ao jornal O Globo que praticar ato obsceno em lugar público é um crime considerado, no Código Penal, menos grave que o da divulgação deste ato. Enquanto a obscenidade em lugar público leva de três meses a um ano de detenção, a distribuição pode implicar em pena de seis a dois anos de prisão.
— Não foi para denunciar. O presidente tem outros meios muito mais hábeis para isso do que publicar no Twitter. Inclusive, aparentemente, quem estava nesse bloco diz que foi um ato isolado de um sujeito bêbado. O presidente quer universalizar, quer estabelecer uma relação de generalidade de que bloco é isso — declarou ao jornal.
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) afirmou que irá acionar Bolsonaro judicialmente após a divulgação do vídeo. Sobre o pedido de impeachment, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirma que não considera o caso grave o suficiente.
— Claramente ele infringiu a lei 1.079. Mas, por mais indecente, de todos os pontos de vista da indecência, que seja o presidente da República, esta publicação ainda não é o bastante para afastar alguém que teve 56 milhões de votos. Mas ele passou de todos os limites do razoável — disse o líder da minoria no Senado ao jornal Folha de S. Paulo.
Entenda o caso
O presidente Jair Bolsonaro postou um vídeo na terça-feira (5), em sua conta no Twitter, de um episódio de nudez pública de dois homens que causou polêmica nas redes sociais. Nas imagens, um dos homens aparece mexendo no ânus, enquanto outro urina em sua cabeça logo depois. Segundo Bolsonaro, a cena seria o que o Carnaval brasileiro "tem virado".
"Não me sinto confortável em mostrar, mas temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conclusões", afirmou o presidente na publicação.
O conteúdo dividiu a opinião entre os usuários das redes. Alguns classificam o material como impróprio, outros defenderam o presidente — dizendo que ele mostrou a "realidade". Após algumas horas, o vídeo teve a visualização restrita, sendo exibido caso o usuário clique em "ver".