Mais de 2 milhões de mulheres – o equivalente a 1% da população brasileira – se organizam no Facebook para sair às ruas neste sábado (29), em 42 cidades de 20 Estados, contra o candidato Jair Bolsonaro.
Não há como prever o sucesso da mobilização, mas, embora eu não seja mulher – e justamente por não ser –, deixo aqui meu singelo pitaco: não acho que as mulheres devam protestar contra Bolsonaro. Não mesmo.
Quem deve protestar são as mulheres, os homens, as crianças, os velhos, os negros, os brancos, os gays, os héteros, os cristãos, os judeus, os roqueiros, os pagodeiros, os míopes, os daltônicos, os astronautas, as cartomantes, os cachorros, as galinhas e, por que não?, os esquerdistas e direitistas.
O que mais assusta nele é seu flerte indisfarçável com o autoritarismo - coisa que alguns insistem em avaliar como brincadeirinha do Mito.
Dirão, claro, que sou petista, que quero o retorno da esquerda e bibibi. Pois há poucos dias, quando escrevi uma coluna sob o título "O risco que Lula impõe ao Brasil" – e nela chamei Lula de irresponsável, Haddad de embuste e Dilma de incompetente –, o PT foi ao Tribunal Superior Eleitoral exigir que meu texto fosse retirado do ar. Sentiram-se "difamados".
Felizmente, o ministro Carlos Horbach recorreu à liberdade de expressão para negar o pedido de liminar, mas o TSE ainda vai analisar o mérito da ação. Quer dizer: não se preocupe, amigo leitor, conheço bem os impulsos autoritários do PT e, obviamente, não tenho o menor interesse em rever no poder quem tenta me calar.
E é isso o que me credencia a dizer, sem medo de errar, que Bolsonaro consegue ser pior. O que mais assusta nele não é seu despreparo confesso, sua permanente ausência de ideias, seus modos toscos e sua inabilidade política. O que apavora no líder das pesquisas é justamente sua absoluta falta de comprometimento com qualquer resquício de ideário democrático. É seu flerte indisfarçável com o autoritarismo – coisa que alguns eleitores, sabe-se lá por que, insistem em dizer que é brincadeirinha do Mito.
Esse eleitor que recusa o debate, paciência, nada pode fazê-lo repensar. Mas o eleitor mais aberto, o eleitor que rejeita a submissão, o servilismo, a bajulação que norteia tanto os seguidores de Lula quanto os de Bolsonaro, esse eleitor que renuncia à postura de capacho e lambe-botas, esse eleitor disposto a pensar por conta própria e ouvir todos os lados, peço humildemente a esse eleitor que reflita comigo agora.
Primeiro, temos uma certeza: quer você queira, quer não, haverá uma grande agitação social em caso de vitória de Bolsonaro. Em caso de vitória do PT, também, sem dúvida. Por isso, o ideal, para mim, seria que nenhum dos dois ganhasse – porque são as duas vertentes que dividem um Brasil mergulhado em tensão política desde as jornadas de 2013. Não há país que aguente tanto tempo de turbulência.
Mas, se Bolsonaro ganhar, bem, tanto ele quanto seu vice, o general Mourão, já deram todos os sinais de que não sabem lidar com agitação social de outra forma que não seja na bala. No início do mês, Mourão reconheceu sem meias palavras: em caso de "anarquia generalizada", o presidente pode chamar as Forças Armadas e dar um "autogolpe".
O que seria essa "anarquia generalizada"? Um Congresso sabotando o governo? Milhões de pessoas nas ruas pedindo o impeachment? Dilma poderia ter alegado "anarquia generalizada" e dado um autogolpe? Aliás, autogolpe é um termo que existe em ciência política: ocorre quando o governante, após chegar ao poder por meios legais, dissolve o parlamento, ou anula a Constituição, ou acaba com a independência do Judiciário.
Não à toa, o time de Bolsonaro já deu evidências de que faria tudo isso. O próprio candidato, dois meses atrás, disse que pretende aumentar de 11 para 21 o número de ministros do Supremo Tribunal Federal – esses novos juízes, adivinha?, seriam indicados por ele, o que lhe renderia o controle sobre as decisões da Corte. Hugo Chávez fez igualzinho na Venezuela.
É para fechar essa estrebaria que o Brasil precisa sair às ruas neste sábado. Não só as mulheres. Todos nós. Ele não.
Já o economista Paulo Guedes, posto Ipiranga de Bolsonaro, propôs há uma semana essa aberração aqui: se mais da metade dos parlamentares de um partido votar favoravelmente a um projeto, todos os votos desse partido serão computados a favor da proposta. Quer dizer: se um deputado for contra, no fim seu voto pode ser a favor! O governo não precisaria mais da maioria para aprovar os desmandos que bem entender.
Por fim, claro, mais uma do general Mourão: ele defendeu uma nova Constituição, só que desta vez redigida por "notáveis", não por essa gentalha que o povo elegeu. Sabe lá o que é isso? Eis aqui um belo exemplo de Constituição redigida por notáveis: a da Alemanha nazista.
A propósito, assim como nosso último ditador, o presidente-general João Figueiredo – que dizia preferir o cheiro de cavalo ao cheiro do povo –, Mourão tem sua fixação equina na relação com o país: considera o Brasil um "cavalo que precisa de um ginete com luvas de seda, cintura de borracha e pernas de ferro".
É justamente para fechar essa estrebaria que o Brasil precisa sair às ruas neste sábado. Não só as mulheres. Todos nós. Ele não.