O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma na quarta-feira o julgamento sobre a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, iniciado na semana passada. É uma das mais importantes pautas enfrentadas pela Corte neste ano. Devido à omissão do Congresso, restou ao Judiciário a tarefa de reexaminar a parte da lei que se mostrou inapropriada diante da proliferação desenfreada de desinformação nociva e discurso de ódio no ambiente digital. O freio de arrumação necessário exige que o artigo seja considerado em desacordo com a Constituição.
Artigo 19 do Marco Civil da Internet tem de ser considerado em desacordo com a Constituição
O texto em vigor prevê que as plataformas de serviços digitais só podem ser obrigadas a remover postagens de usuários diante de decisão judicial. Seriam passíveis de punição, portanto, apenas caso se neguem a cumprir a determinação. Dez anos depois do Marco Civil da Internet passar a valer, consolida-se a certeza de que esse ponto da legislação não dá conta de uma realidade na qual está inserida a disseminação em massa de informações falsas sobre vacinas, racismo, ciberbullying, encorajamento a ataques contra a democracia e incitação à violência.
São mensagens prejudiciais às pessoas atingidas e à coletividade, mas têm o alcance potencializado pelos algoritmos das redes sociais por gerarem engajamento e lucro, tanto para os provedores como para as contas monetizadas.
A multiplicação de mentiras sobre a pandemia, a disparada dos casos de depressão entre adolescentes e a instigação à ruptura institucional são exemplos recentes da consequência desse descontrole. Em casos em que um indivíduo é alvo de discurso de ódio ou de difamação, o ônus acaba com a própria vítima, que precisa buscar assessoria legal e despende tempo e recursos para tentar uma decisão judicial, que não se sabe quando sairá. Até lá, o dano à honra pode ser irreversível.
A legislação prevê exceções para cenas de nudez e pornografia ou conteúdos salvaguardados por direito autoral. Nesses exemplos, a mera notificação dos prejudicados impõe à plataforma a obrigação de tomar providências. Funciona bem, o que demonstra a capacidade técnica das big techs para retirar ilegalidades. Esse princípio é conhecido como notice and take down. Ou seja, é um sistema de aviso e retirada a partir da notificação. O mecanismo foi adotado pela União Europeia em legislação que entrou em vigor neste ano. Não há notícia de que tenha prejudicado a liberdade de expressão, como argumentam os pregadores da tese de que tudo deveria ficar como está. Tampouco criou uma autocensura das redes, como foi capciosamente alardeado.
O Brasil também precisa de regras que gerem responsabilização das grandes plataformas. O discurso da defesa da liberdade de expressão para justificar a circulação de mensagem fraudulenta e de ódio não se sustenta mais. A prerrogativa de opinar é um sustentáculo da democracia e deve ser defendida. Mas tem limites. Mesmo assim, tornou-se um princípio usado de forma distorcida para deixar impune a violação a outros direitos individuais e difusos. Não há mais espaço para as big techs se isentarem em relação ao que é publicado por terceiros e deixarem de responder pelos danos gerados quando estão cientes da ilicitude. A motivação das gigantes da internet para tentar manter a situação reinante é apenas financeira.