O pacote fiscal anunciado pelo governo federal peca pela forma desastrada com que veio a público, pela ausência de medidas de contenção estrutural de gastos suficientes para alterar a desconfiança do mercado sobre a continuidade do avanço da dívida pública e pela própria dúvida existente se os números projetados são críveis. O mau humor com o conjunto de ações se materializa desde quarta-feira com a disparada do dólar e dos juros futuros e a queda acentuada do índice Ibovespa. A reação negativa seguiu nesta quinta-feira, com a moeda norte-americana tocando pela primeira vez os R$ 6.
Pela resistência a uma rearrumação estrutural das contas, o governo não conta mais com o benefício da dúvida
O principal equívoco, ao menos na condução do tema, foi misturar as ações esperadas para segurar as despesas com a pauta da isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. Deveria ser um assunto a ser tratado em outro momento, na segunda fase da reforma tributária, como era previsto, junto à ideia de taxar mais rendimentos acima de R$ 50 mil mensais. De largada, a iniciativa escancarou a estratégia populista do governo de anunciar uma medida que pode beneficiar parcela significativa da população para minimizar o impacto negativo do conjunto das providências. A ênfase reforçou a percepção do pouco compromisso com um ajuste necessário das contas públicas. As atenções deveriam estar voltadas para os esforços de controle das despesas, mas foi uma promessa de campanha que ganhou os holofotes. Ao fim, a equipe econômica perdeu a disputa para o raciocínio meramente político.
As medidas até foram mais bem explicadas pelo governo na manhã de ontem. Englobam limite ao aumento do salário mínimo, alterações no abono salarial, mudanças nas aposentadorias de militares, endurecimento de regras para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), cerco aos supersalários e freio ao aumento dos recursos de emendas parlamentares. Mas mesmo que possam estar no sentido correto, mostram a preferência pelo gradualismo, enquanto se aguardava algo mais parecido com um choque fiscal, depois de mais de um mês de espera pelo pacote.
Não há segurança, também, de que será alcançada a meta de contenção de gastos de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos e de R$ 327 bilhões em cinco. É sintomático que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admita que novas ações podem ser necessárias para obter o ajuste perseguido. As propostas também têm de passar pelo Congresso, onde a regra é desidratar medidas consideradas mais duras.
Parece que, pela resistência reiterada a uma rearrumação estrutural das contas, o governo não conta mais com o benefício da dúvida. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva repete querer proteger os mais vulneráveis. Mas são esses os que mais sofrem com o desarranjo das finanças, que se reflete em dólar alto, juro nas alturas e inflação. O pacote mal amarrado confirma que a gestão fiscal permanece descasada da política monetária. Será inevitável que o Banco Central responda na forma de elevação da Selic, o que encarece o crédito, afeta o investimento produtivo e reprime a atividade econômica.