Era mandatória uma reação enérgica do Estado à execução de um líder de facção por um criminoso de um grupo rival na Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan), no último sábado. Não apenas para investigar o assassinato e suas circunstâncias ainda nebulosas, mas para prender e isolar membros das quadrilhas envolvidas, reforçar o policiamento ostensivo para impedir a eclosão de um novo ciclo sangrento de ataques e retaliações e evitar que a casa prisional canoense, planejada para ser exemplar, continuasse em um processo de degradação de seus propósitos originais.
Organizações criminosas mostram-se mais complexas, com negócios de fachada e acesso a instrumentos financeiros sofisticados
A resposta iniciada pelo governo gaúcho, por meio das secretarias de Segurança Pública (SSP) e de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS), não pode arrefecer. Ao longo da semana que passou, o Estado anunciou o afastamento de cinco servidores da Pecan de suas funções e transferiu para um presídio federal o homem apontado como o responsável pelos disparos. A vigilância nas regiões onde as facções atuam foi redobrada pela Brigada Militar. Mesmo assim, outra liderança do submundo foi morta a tiros na quarta-feira, em Canoas, embora não exista certeza da conexão entre os casos.
Nesta sexta-feira, foram desencadeadas novas ações. Dezessete apenados acabaram transferidos da Pecan para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), onde foi instalado um sistema para bloquear o sinal de celular e existirá um regime especial, com celas individuais. Nos arredores do complexo prisional de Canoas, foi desmontado o aglomerado de comércio ilegal que também disponibilizava wi-fi, acessado pelos detentos no interior da prisão. Em outra frente, a Polícia Civil deflagrou operação para cumprir 13 mandados de prisão e outros 19 de busca e apreensão contra a facção que teria ordenado o assassinato na Pecan.
A penitenciária de Canoas foi concebida para não receber faccionados, mas no fim de semana soube-se que estava repleta deles por ser, em tese, a única onde não existiria a possibilidade de comunicação dos presos com comparsas e comandados soltos. Foi tornado público também que é corriqueiro o sobrevoo de drones. Os aparelhos levam aos presos materiais ilícitos como drogas, celulares e, suspeita-se, armas, como a usada na execução. Neste ano foram apreendidos 681 telefones móveis, contra 120 em 2023. Fica evidente que se comunicar de dentro do local se tornou rotineiro.
O governo gaúcho garante que 23 unidades prisionais no Estado passarão a ter bloqueadores de sinal de telefone e internet. Em meados de 2022, a promessa era instalar os equipamentos em 15 presídios até o final daquele ano, compromisso que não foi honrado. Aguarda-se que, desta vez, seja diferente e a tecnologia seja de fato implantada.
É necessário reiterar que a queda nos índices de criminalidade nos últimos anos no Rio Grande do Sul não permite concluir que a guerra contra as facções foi vencida. Embora os números como os de homicídios tenham diminuído de forma significativa, ainda estão distantes de patamares civilizados. Essas organizações, por outro lado, mostram-se cada vez mais complexas. Têm grande capacidade de regeneração, negócios de fachada para lavar dinheiro e acesso a instrumentos financeiros sofisticados. Passaram também a se infiltrar nas instituições, inclusive por meio de eleições. A pressão contra as facções, portanto, precisa ser incansável e em múltiplas dimensões, desde o policiamento ostensivo até estratégias de inteligência que permitam antecipar passos e descobrir e sequestrar seus bens e capitais.