Nas conversas com amigos, costumo dizer que sou um admirador devotado de três gênios das letras do meu tempo: Luis Fernando Verissimo, Jayme Caetano Braun e Chico Buarque de Holanda.
O talentoso cronista porto-alegrense, que anda em recesso para tratamento de saúde, sempre foi um verdadeiro alquimista dos textos curtos. Tudo o que escreveu virou ouro – ou riso, ou alguma coisa lúcida que ele intuiu primeiro do que todos nós, seus leitores. Já os outros dois gigantes da poesia – o saudoso pajador missioneiro e o maior compositor do país – têm em comum o vocabulário amplo, a rima surpreendente e os versos que encantam e emocionam.
Ambos são contadores de histórias rimadas, e o fazem com a mesma maestria, cada um no seu estilo e gênero. Pois outro dia, pesquisando sobre a obra do grande declamador gaúcho para um livro que a Associação Riograndense de Imprensa prepara com vistas à próxima Feira do Livro de Porto Alegre, deparei-me com esta curiosa semelhança entre versos do gaúcho e do carioca.
Jayme Caetano Braun deixou registrado no seu poema Sem Diploma:
“Meu tetravô foi fronteiro
Meu bisavô, domador
O meu avô, alambrador
E o meu pai foi carreteiro
A mim, não sobrou dinheiro
Pra cursar a faculdade
Mas tive a felicidade,
Graças a Nosso Senhor,
E me tornei pajador
Pra guardar a identidade”.
E Chico Buarque de Holanda, 20 anos mais jovem, escreveu na canção Paratodos:
“O meu pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô, mineiro
Meu tataravô, baiano
Meu maestro soberano
Foi Antônio Brasileiro
Foi Antônio Brasileiro
Quem soprou esta toada
Que cobri de redondilhas
Para seguir minha jornada
E com a vista enevoada
Ver o inferno e maravilhas”.
Quem escreveu primeiro? Não sei e nem me importa saber. Não vejo qualquer resquício de plágio nessas pérolas autobiográficas inspiradas na ancestralidade. Prefiro supor que a deusa Inspiração, que tem critérios próprios para escolher seus afilhados, tocou ao mesmo tempo no cérebro e na alma de seus compositores prediletos. Saíram essas maravilhas – e agora estou, deliberadamente, plagiando Chico, que completou 80 anos neste ano do centenário de Jayme Caetano Braun.
Gostaria de escrever como Luis Fernando Verissimo para homenageá-los dignamente. Porém, como meu pai não era paulista nem meu avô, alambrador, e eu não sou compositor, mas um simples jornalista, deixo aos três, como louvor, o abraço do cronista.