Que falta faz um escritor do calibre de Luis Fernando Verissimo a um Estado como o Rio Grande do Sul, onde livros ainda são censurados. Aos 87 anos, o nosso maior cronista está em casa, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, cuidando da saúde.
Luis Fernando recupera-se das complicações de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), mas isso não afetou em nada uma de suas grandes paixões: ele segue acompanhando, sem falta, todos os jogos do Internacional no rádio e na TV. Felizmente, como diz Lúcia Verissimo, sua eterna companheira, o time “anda ganhando” (exceto pelo recente empate com o Juventude) e, claro, contribuindo para a sanidade do famoso torcedor.
— Luis Fernando está estável. Continua com enorme dificuldade de se expressar, mas vê bastante televisão e acompanha as notícias do Brasil e do mundo. Raramente saímos e estamos sempre com os filhos e netos por perto — conta Lúcia, por mensagem de WhatsApp, gentil e atenciosa.
No momento, Luis Fernando não está escrevendo nem desenhando, mas segue firme e manda abraços a seus fiéis e saudosos leitores.
Sou um deles, os “fiéis e saudosos leitores”. LFV não faz a menor ideia, mas nós nos conhecemos. Foi em 1990. Na escola. A minha, no caso.
Eu tinha 11 anos quando fui apresentada a um livrinho chamado Peças Íntimas, assinado por ele. A professora Lora Griesang sugeriu que criássemos esquetes teatrais para o Colégio Mauá, em Santa Cruz do Sul. Foi assim que um grande amor começou — Lucia, não me leve a mal, o homem é impossível!
Em 1994, eu estava na biblioteca com a minha melhor amiga, Paty Tessmann, quando ela (sempre ligada nas novidades) apareceu com aquele livrão de 326 páginas (e uma capa engraçada). Era a primeira edição do que viria a ser um clássico: Comédias da Vida Privada.
Lemos algumas crônicas e nos apaixonamos outra vez, pelo livro e por LFV. Descobrimos que ele faz aniversário no mesmo dia da Paty. Ela sempre se gabou disso.
Dali em diante, de alguma forma, sempre esbarrei em Luis Fernando por onde passei: na faculdade, nos sebos, nos jornais, na Feira do Livro. No ano passado, dei de cara com aquela mesma obra, de 1994, em um balaio. Lembrei da cena na biblioteca. Comprei na hora. Ele está aqui ao meu lado, me olhando. E eu pensando: “Que falta faz um escritor do calibre de Luis Fernando Verissimo…”
O que será que ele estaria escrevendo sobre o golpismo que por pouco não nos jogou em um novo período de trevas? E sobre as guerras que grassam pelo mundo? E sobre as redes antissociais? E a tal IA? Tanto assunto importante.
Que falta faz a ironia fina do gênio que tecia críticas sociais da melhor forma possível: fazendo humor.
Volta logo, LFV. Um dia, ainda quero te conhecer pessoalmente.
Luis Fernando em quatro frases
“Não sei para onde caminha a humanidade. Mas, quando souber, vou para o outro lado.”
“Viva todos os dias como se fosse o último. Um dia você acerta.”
“Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.”
“O mundo não é ruim, só está mal frequentado.”
Um conto
Selecionei um dos contos de Comédia da Vida Privada, de que gosto muito. Compartilho contigo:
Pai não entende nada*
— Um biquíni novo?
— É, pai.
— Você comprou um no ano passado!
— Não serve mais, pai. Eu cresci.
— Como não serve? No ano passado você tinha 14 anos, este ano tem 15. Não cresceu tanto assim.
— Não serve, pai.
— Está bem, está bem. Toma o dinheiro. Compra um biquíni maior.
— Maior não, pai. Menor.
Aquele pai, também, não entendia nada.
* Por Luis Fernando Verissimo, na página 255 da 21ª edição de Comédias da Vida Privada - 101 Crônicas Escolhidas (Editora L&PM).