Juliana Bublitz

Juliana Bublitz

Jornalista, mestre em Desenvolvimento Regional e doutora em História Social, ingressou no Grupo RBS em 1999. Participou de coberturas marcantes como repórter de GZH, ZH e Rádio Gaúcha.

Avesso do avesso
Opinião

Deveríamos estar preocupados em formar leitores críticos, não em censurar livros

Obra "O Avesso da Pele", de Jeferson Tenório, chegou a ser retirada de circulação por diretora de escola incomodada com "baixo calão" 

Juliana Bublitz

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Companhia das Letras / Divulgação
Ilustração da capa do livro, que venceu o Prêmio Jabuti de melhor romance.

Deveríamos estar preocupados em formar leitores com pensamento crítico, não em tirar de circulação livros que causam “incômodo”. Incômodo para quem? Jeferson Tenório, reconhecido escritor que por anos viveu no Rio Grande do Sul e foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, está certo quando diz que O Avesso da Pele, obra premiada e vendida para mais de 10 países, merece respeito. 

O texto aborda um tema que deve, sim, ser tratado em sala de aula, sob a orientação dos professores: o racismo estrutural, aquele que vive em nós, mesmo que a gente não se dê conta. 

Estou escrevendo tudo isso, provocada por uma história que alçou minha terra natal, Santa Cruz do Sul, às manchetes do final de semana dos principais sites de notícias do país - e que inclusive mereceu uma nota de repúdio da Companhia das Letras, uma das maiores e mais respeitadas editoras do Brasil. 

A diretora de uma das principais escolas estaduais da cidade ficou revoltada ao encontrar no livro de Tenório - que integra a lista do Programa Nacional do Livro e do Material Didático desde 2021 - trechos sobre sexo e palavras chulas para definir os órgãos sexuais. 

A professora gravou um vídeo expondo a indignação, e as 200 edições da obra (que ela própria havia mandado comprar) acabaram sendo retiradas de circulação por alguns dias - a decisão foi revertida pela Secretaria Estadual de Educação, em um ato de lucidez

Você pode dar o nome que quiser para isso e até concordar com a opinião da diretora. É seu direito. 

Eu chamo de censura.

O livro faz parte da lista de obras nacionais (aprovada por uma banca de educadores, especialistas e mestres em literatura e língua portuguesa junto de outros 530 títulos) para serem trabalhadas em aula por professores - de forma supervisionada - com alunos do Ensino Médio. 

Não se trata, nem de longe, de um texto sobre sexualidade, mas, ainda que fosse, com quem e em que ambiente você gostaria que seu filho adolescente conversasse sobre o assunto? Na rua? Ou na escola, com o olhar cuidadoso de um mestre?

Querer proteger os jovens de conteúdos considerados “inadequados” a partir de opiniões pessoais e, muitas vezes, de leituras fora de contexto é um equívoco. A diretoria argumenta, com razão, que alguns pais poderiam reclamar. Não duvido. O tema não é fácil de ser digerido. 

Ainda assim, ler O Avesso da Pele é uma oportunidade para discutir racismo e violência. Termos "de baixo calão" não entraram na história de forma gratuita. Eles são parte de uma realidade sobre a qual não devemos "ficar escandalizados", mas tentar compreender para mudar.

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