Tem de tudo neste mundo, até mesmo uma mulher que foi atingida pelo raio duas vezes e sobreviveu para contar a história. A bem da verdade, o segundo raio não caiu no mesmo lugar – ela é que estava nos lugares errados nas horas erradas.
Na primeira vez em que a americana Beth Paterson foi alvejada pelo corisco, ela estava com 24 anos e era soldado do exército do Tio Sam na Geórgia. Como os oficiais de todas as Forças Armadas costumam dizer que o soldado é superior ao tempo (na minha época de praça da Aeronáutica, já diziam isso), ela foi para o meio da chuva inspecionar um depósito de munição quando o clarão desceu das nuvens e a lançou a nove metros de distância. Teve parada cardíaca, lesão cerebral e fraturou a mandíbula, mas foi ressuscitada por paramédicos e, depois de 12 cirurgias e de ter os dedos dos pés amputados, reaprendeu os movimentos da vida. Um ano depois, por orientação do psiquiatra, foi para a varanda observar uma tempestade a fim de vencer o trauma. Foi lá que o raio a achou de novo. Lançada de volta para dentro de casa, desta vez não fraturou nada e levou só quatro meses para se recuperar.
Beth escreveu um livro relatando sua extraordinária história e agora ganha a vida dando palestras, especialmente para pacientes com transtorno de estresse pós-traumático. Por motivos óbvios, não é recomendável assistir a ela em dias de chuva.
Li o depoimento de Beth Paterson exatamente na mesma semana (de chuva, mas sem raios) em que assisti a uma entrevista do escritor Paul Auster no programa GloboNews Literatura.
Por coincidência, o produtivo autor do livro A Música do Acaso e de outros campeões de venda contou à repórter Carolina Cimenti que um dos fatos mais marcantes de sua vida ocorreu quando participava de um acampamento de verão, aos 14 anos. Ele e outros garotos foram surpreendidos por uma tempestade, em plena floresta. À procura de abrigo, os meninos engatinharam por baixo de uma cerca de arame farpado. Segundo o escritor, naquele exato momento caiu um raio e atingiu o companheiro que ia na sua frente, fulminando-o.
– Foi o acaso que me poupou – conta.
A história é trágica, mas me fez lembrar uma divertida charge que vi séculos atrás, acho que no finado Pasquim. O personagem olha para o céu, desafiador, e diz:
– Se Deus existe, quero que um raio me atinja.
No quadrinho seguinte, o raio abre uma cratera na sua frente, sem atingi-lo. O debochado não se dá por vencido e exclama:
– Rá, errou!
É mais ou menos o que aconteceu com Auster e com sua conterrânea Beth Paterson. Pode ter sido simples acaso, mas, se um dia tiver que entrevistá-los, acho que vou apelar para o WhatsApp. Vá que esses americanos ainda estejam devendo alguma coisa. Além disso, o último livro de Paul Auster (imperdível, segundo os críticos) tem como título uma emblemática contagem regressiva: 4321.
Parece provocação.