
Tentar dar um golpe de Estado é o mesmo que cogitar fazê-lo? O que configura atos preparatórios para um crime contra o Estado Democrático de Direito? O que impediu que o plano fosse executado? Estas são algumas das questões que estarão no centro dos debates do Supremo Tribunal Federal (STF) na ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus. Por envolver fatos inéditos e leis recentes sobre os crimes que teriam sido praticados, o tema desperta divergências logo de arrancada.
Acusado de cinco crimes, Bolsonaro pode pegar até 39 anos de prisão, segundo projeção de juristas. Não há dúvidas de que a PGR comprovou a existência de um esquema organizado para discutir a tomada de poder. Além dos depoimentos dos envolvidos, foram apresentados documentos e outras provas robustas. O roteiro, no entanto, tem muitas pontas soltas. Sem novas informações, é possível que o STF recuse parte dos crimes apontados pelos investigadores.
Nas sessões realizadas pela Primeira Turma nesta semana, os ministros não indicaram qualquer disposição em relativizar os atos que culminaram nos ataques golpistas em 8 de janeiro de 2023. Todas as manifestações exaltaram a gravidade da clara tentativa de impedir o presidente eleito, Lula, de assumir o cargo. Contudo, ao mesmo tempo em que acompanhou os pares na aceitação da denúncia, o ministro Luiz Fux defendeu a necessidade de o STF refletir sobre a dosimetria das penas.
A ponderação tem como pano de fundo um dos processos sobre o 8 de janeiro, cuja sentença depende da devolução de um pedido de vista do próprio Fux. Ele interrompeu a análise dos crimes cometidos pela cabeleireira Débora Santos, que pichou a estátua da Justiça, para verificar se há excessos na pena de 14 anos imposta pelo relator, Alexandre de Moraes.
Com ampla repercussão popular, o caso poderá dar início a uma reflexão sobra as futuras penas. Diferentemente do que defendem congressistas e apoiadores de Bolsonaro, não se vê qualquer disposição dos ministros em ignorar que os atos de Débora ocorreram dentro de um contesto de tentativa de golpe. Mas alguns integrantes da Corte consideram que há penas exacerbadas, como revelou Fux.
A instrução processual será oportunidade também para o STF analisar com rigor todas as acusações da Procuradoria-Geral da República e os argumentos das defesas. Sim, isso é praxe em qualquer processo. Mas a complexidade da tentativa de golpe, o fato de envolver a cúpula de um governo e oficiais de alta patente das Forças Armadas, exigem ainda mais cautela. Afinal, muitas das informações reunidas pelos investigadores carecem de provas.
Uma das acusações que ainda necessita de provas, por exemplo, é a de que Bolsonaro anuiu ao plano para matar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Moraes. Por outro lado, há farta comprovação de que o ex-presidente discutiu com os comandantes militares formas de impedir o rito normal da democracia, de que ele estimulou manifestantes a se rebelarem e de que passou anos espalhando notícias falsas sobre as urnas eletrônicas.