— Tudo de novo, eu não acredito que vamos viver tudo de novo.
Inconsolável, a mãe de um dos 242 jovens que morreram na tragédia da Boate Kiss resumiu nesta terça-feira o desânimo de quem espera há 10 anos por justiça. O grupo que viajou a Brasília para acompanhar a sessão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu em silêncio a decisão dos ministros de manter a anulação do júri. Além da contrariedade ao resultado, que livrou os quatro réus de condenação, pais das vítimas e sobreviventes do incêndio lamentaram o tempo perdido e as incertezas que cercam um novo júri.
Nos corredores do imponente prédio do STJ, eles lembravam das etapas que sucederam o julgamento e o desgaste emocional ao longo do processo. A viagem à capital federal só foi possível graças a uma vaquinha virtual para custear parte das despesas. Tanto tempo de espera gerou descrença no sistema judiciário, críticas à condução do processo pelo Ministério Público e inconformidade com erros que geraram a anulação do júri.
Desde 2013, ao menos 10 pais de vítimas da tragédia morreram aguardando o julgamento definitivo, segundo a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM).
— A gente não pode abrir mão da verdade. O que eu não quero é ver mais familiares de vítimas morrendo neste meio tempo, sobreviventes morrendo até o julgamento, até o próximo desfecho — disse o presidente da associação, Gabriel Barros.
Ele fez aniversário nesta terça, e relatou que o sentimento era de estar "perdendo mais vida" ao receber a notícia de mais uma derrota.
Outro protagonista na luta por justiça, Flávio José da Silva, que perdeu a filha no incêndio, encarou o rigoroso esquema de segurança do STJ para um protesto silencioso. Ao final do julgamento, com os olhos marejados, levantou um cartaz com a frase: "Até quando a injustiça vai servir à impunidade?".
Os seguranças o encararam, mas logo assentiram à triste e solitária manifestação.
A decisão da sexta turma do STJ foi mais difícil de digerir porque o relator do caso, ministro Rogério Schietti, havia apresentado um voto contundente a favor da validade do júri. A postura gerou boa expectativa no Ministério Público, que apresentou o recurso, e entre os familiares. Proferido no dia 13 de junho, o voto surpreendeu integrantes do colegiado, que se apressaram em pedir vista do processo.
Na retomada da análise do caso, os outros quatro ministros que compõem a sexta turma divergiram do relator e enfatizaram que o processo teve erros graves de condução que contaminaram a decisão do júri.
Para quem voltou ao Rio Grande do Sul apenas com a previsão de um novo júri, restaram as lembranças e o luto por filhos, irmãos e amigos perdidos na maior tragédia do Estado.