Por margem folgada - por 372 votos favoráveis, ante necessidade de 257 -, foi aprovado na Câmara dos Deputados, na noite de terça-feira (23), o novo marco fiscal. Ainda falta o Senado, mas é pouco provável que o resultado seja muito diferente.
Embora seja mais flexível com despesas do que a regra anterior, inclui um mecanismo poderoso para frear gastos excessivos: caso as despesas aumentem além dos limites fixados, serão proibidos concursos públicos e reajustes salariais para servidores.
Foi uma votação inusual, com oposição tanto do Novo quanto do PSOL e chegada do relatório poucas horas antes de os deputados apertarem os botões de "sim" ou "não". Do ponto de vista do mercado financeiro e de economistas ortodoxos, uma mudança feita pelo relator Cláudio Cajado (PP-BA) no texto enviado pelo governo foi motivo de alívio.
O texto original previa a possibilidade de as despesas da União crescerem até 2,5% acima da inflação do período anterior em 2024 em qualquer circunstância - ou seja, com ou sem aumento de arrecadação. No teto de gastos, o limite era a variação da inflação, nem uma vírgula acima. A alteração foi, digamos, criativa. Não retira a possibilidade de aumento real de até 2,5%, mas o condiciona. A fórmula aprovada prevê acréscimo limitado pela diferença entre o limite de 70% do aumento da receita e 1,12%, com teto de 2,5%.
Considerando que um dos critérios ambicionados para a nova regra era a facilidade de entendimento, a solução não alcançou esse objetivo. Além da complexidade, avalia Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), o efeito líquido é de "dinâmica de receitas de 2024 deverá permitir uma maior expansão de gastos". E observa, em relatório publicado há pouco:
"O problema é que, na prática, pode-se estar criando um mecanismo ad hoc (específico para fim determinado), que dá um teor bastante casuístico para o primeiro ano de aplicação do arcabouço fiscal, com o objetivo prático de produzir uma taxa real elevada, que possa se aproximar dos 2,5%, mesmo a regra dos 70% sobre a variação real da receita líquida até junho de 2023 não ensejando tal comportamento".
Mas a solução salomônica foi recebida com certo alívio por representar flexibilidade - outra ambição conceitual - aliada a um sistema de freios considerado mais efetivo. Ainda não o ideal, do ponto de vista de não permitir que gastos em excesso se transformem em bola de neve na dívida pública, mas mais palatável.
— Há consenso entre os economistas que o arcabouço mostrou alguma preocupação com o controle das despesas, mas o problema não é esse. Ainda há muita dificuldade de entender como o governo vai obter o aumento de receita para alcançar os resultados primários (saldo positivo entre receita e despesa, sem contar o pagamento da dívida). E mesmo que alcance, há dúvida se são suficientes para estabilizar a dívida. O arcabouço evita um cenário catastrófico, de explosão de dívida, mas continua sendo ruim - avalia Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim.
Com uma visão levemente mais heterodoxa, André Perfeito, com anos de experiência no mercado financeiro, tem uma visão mais otimista:
— Agora, é provável que vejamos o real se apreciar mais no curto/médio prazo, o que traz perspectiva de inflação mais controlada e isso, por sua vez, reforça a expectativa de redução do juro. O Copom deve iniciar o corte da Selic em breve, muito provavelmente no início do segundo semestre.
O dólar, de fato, abriu em baixa nesta quarta-feira (24), com recuo de 0,55% no meio da manhã, para R$ 4,945.