Referência em questões fiscais do Brasil agora é um pouco gaúcho, o ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) e atual economista-chefe da corretora Warren Renascença, avalia que, fora a complexa solução específica para 2024, o texto da nova regra fiscal aprovado na Câmara do Deputados está "bem posto". A complexidade da exceção prevista para 0224 levou o texto a ser comparado ao da "banda diagonal endógena" - uma espantosa fórmula para regrar a relação entre dólar e real na virada do século no Brasil.
Tem um pouco de banda diagonal endógena no texto aprovado na Câmara?
Os princípios que a literatura sobre regras fiscais recomenda inclui simplicidade, impositividade e alguma flexibilidade, seja um plano B ou um válvula de escape. O texto final contempla essas três coisas. O problema é que acrescentaram complexidade para 2024. O governo propôs aumento real (acima da inflação) de despesas de 2,5%, isso gerou reação ruim, a correção levou a essa complexidade.
Qual é o imbroglio?
Pela regra geral, o limite para o crescimento do gasto é até 70% do aumento da receita líquida até a metade do ano (exemplo da coluna: se a receita crescer 2%, a despesa poderia subir 1,4%). Para 2024, está previsto no artigo 15 que, se no segundo bimestre desse ano o crescimento for maior do que foi previsto no orçamento, as despesas podem subir mais o equivalente a 70% dessa variação (ou seja, seria mais uma "fresta" para gastar, limitada a 70% do aumento adicional da arrecadação). Isso com o ano em curso, com o orçamento já sendo executado. Caso ao final do ano o adicional não se confirmar, será preciso fazer uma contenção de gastos equivalente em 2025.
Complicado, não?
É uma grande complicação, mas não deve macular a proposta geral. O texto aprovado permite prever que a dívida crescerá a taxas menores do que cresceria na ausência dela. Prevê que, se as regras forem descumpridas, haverá infração à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que na minha interpretação, é crime de responsabilidade. Também prevê sanções a partir de determinados gatilhos e impede a concessão de reajuste salarial a servidores e realização de concursos públicos, por exemplo.
A avaliação geral é positiva?
Está bem posto. Tem um viés, que já se sabia há muito tempo, que este governo quer fazer o ajuste fiscal pelo lado da receita. O novo marco não é uma regra rígida, mas produz um ajuste mínimo no gasto. É a receita que terá de ajudar a conseguir atingir as metas ousadas de resultado primário. Agora, o governo precisa começar a mostrar como fará isso. O grande desafio, agora, será fazer funcionar ao longo dos próximos três anos. O Ministério da Fazenda terá de atuar na defesa do marco fiscal. O primeiro desafio era aprovar uma regra razoável.
Quais são as perspectivas pelo lado da receita?
Das medidas anunciadas, há duas entendo como mais prováveis. A primeira é o preço de transferência. É quando as empresas exportam para unidades próprias fora do Brasil e subestimam preços. Isso eleva o resultado, porque reduz tributos que deveriam ser recolhidos no Brasil. A medida provisória já foi aprovada e deve render arrecadação extra entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões. Outra é a decisão do STJ, que exclui gastos de custeio da isenção de tributos dados a título de incentivo fiscal. Essa deve render mais cerca de R$ 42 bilhões, no melhor cenário. Com mais cerca de R$ 67 bilhões, o déficit de 1,1% do PIB previsto para 2024 pode virar 0,5%. Não é zero, mas quase.