Depois de abrir já em forte queda no dia seguinte à posse, a bolsa despencou 3,06% no fechamento, puxada pelo desabamento nas ações da Petrobras (-6,45%) e do Banco do Brasil (-4,23%). A reação no câmbio foi mais contida, com alta de 1,51% no dólar.
Foi uma clara reação do mercado a discursos e medidas do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ainda no dia da posse.
Além das palavras duras sobre "cupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas" e "uma estupidez chamada teto de gastos", o presidente transformou em ação seu discurso contrário à privatização determinando a retirada de Petrobras, Correios, ECB e outras cinco empresas da lista das estatais a serem vendidas no âmbito do Programas de Parcerias em Investimentos (PPI).
Também contribuiu para o dia negativo no mercado a percepção de analistas de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teria sofrido sua primeira derrota no embate interno do governo. Havia manifestado intenção de não prorrogar a isenção de tributos federais sobre combustíveis, mas a preocupação da ala política sobre o impacto inflacionário já nos primeiros dias de governo acabou prevalecendo.
Embora a privatização da Petrobras fosse tratada por especialistas em desestatização como um ensaio precário, sem definição de modelagem ou expectativa de prazo, no mercado era vista como "oportunidade". Já a combinação das declarações de Lula e do indicado à presidência da estatal, Jean Paul Prates, projeta perdas em relação aos ganhos polpudos proporcionado em dividendos. Só nos primeiros nove meses de 2022, a estatal distribuiu R$ 136 bilhões aos acionistas - quase uma PEC da Transição.
Esclarecimento: a coluna tem uma escala para usar os verbos "despenca" e "desaba". É subjetivo, mas baseado em fatos&dados. Quedas superiores a 3% na bolsa não são comuns, portanto a coluna se sente autorizada a usar "despenca". Quedas superiores a 5% são ainda mais raras, e só nesses casos a coluna emprega o "desaba".
Trechos do discurso de Lula que assustaram o mercado
"Desorganizaram a governança da economia, dos financiamentos públicos, do apoio às empresas, aos empreendedores e ao comércio externo. Dilapidaram as estatais e os bancos públicos; entregaram o patrimônio nacional. Os recursos do país foram rapinados para saciar a cupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas."
"Hoje mesmo estou assinando medidas para reorganizar as estruturas do Poder Executivo, de modo que voltem a permitir o funcionamento do governo de maneira racional, republicana e democrática. Para resgatar o papel das instituições do Estado, bancos públicos e empresas estatais no desenvolvimento do país. Para planejar os investimentos públicos e privados na direção de um crescimento econômico sustentável, ambientalmente e socialmente".
"Vamos dialogar, de forma tripartite – governo, centrais sindicais e empresariais – sobre uma nova legislação trabalhista. Garantir a liberdade de empreender, ao lado da proteção social, é um grande desafio nos tempos de hoje."
Trechos que tentaram um afago
"O futuro pertencerá a quem investir na indústria do conhecimento, que será objeto de uma estratégia nacional, planejada em diálogo com o setor produtivo, centros de pesquisa e universidades, junto com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, os bancos públicos, estatais e agências de fomento à pesquisa.
"Nenhum outro país tem as condições do Brasil para se tornar uma grande potência ambiental, a partir da criatividade da bioeconomia e dos empreendimentos da socio-biodiversidade. Vamos iniciar a transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, uma agricultura familiar mais forte, uma indústria mais verde."
"O modelo que propomos, aprovado nas urnas, exige, sim, compromisso com a responsabilidade, a credibilidade e a previsibilidade; e disso não vamos abrir mão. Foi com realismo orçamentário, fiscal e monetário, buscando a estabilidade, controlando a inflação e respeitando contratos que governamos este país."