O aceno do governo Bolsonaro à privatização da Petrobras é considerado apenas uma "cortina de fumaça" por Cláudio Frischtak, sócio gestor da Inter.B - Consultoria Internacional de Negócios, um habitual defensor da desestatização. Nesse caso, pondera, há dois problemas: o fato de ser um jogo de cena para trocar a pauta da alta dos combustíveis - cuja efetividade é demonstrada por esta entrevista, brinca -, repetido desde a demissão do primeiro presidente da Petrobras no atual mandato, Roberto Castello Branco, e a falta de estudos que indiquem um caminho sem repetir os erros cometidos na Eletrobras. Uma desestatização bem feita da Petrobras, pondera Frischtak, levaria algo entre três e quatro anos.
Como vê a proposta de privatização da Petrobras neste momento?
Não é a primeira vez que, frente a notícias ruins, o governo lança uma cortina de fumaça. Não pode argumentar que esse ministro de Minas e Energia que saiu fez um trabalho ruim. (Bento Albuquerque) é uma pessoa correta, íntegra, com fundamentação técnica, ainda que sua experiência fosse mais na área nuclear. É muito difícil explicar sua saída em bases técnicas, dizer que, por alguma razão, não fez o trabalho dele. O mesmo vale para o general Silva e Luna e ao almirante Bacelar, que não foi reconduzido à presidência do conselho de administração da empresa. Toda vez que ocorre uma alta de preço do diesel e há perspectiva de aumento mais à frente, isso desgasta a imagem do governo, porque desgasta a população. E vem a iniciativa, profundamente inócua, de fazer troca, não necessariamente por pessoa melhor. Na Petrobras, já houve tentativa frustrada de colocar pessoas não necessariamente melhores do que o general Silva e Luna e o auxiliar do ex-ministro (o atual presidente da Petrobras, José Mauro Coelho, foi número 2 de Albuquerque no Ministério de Minas e Energia). O atual ministro é mais afinado com (Paulo) Guedes, mas não sei exatamente o que vai fazer de tão diferente. Se for seguir a linha de integridade, não vejo mudança possível. É mais um jogo de cena.
Qual o papel da proposta de privatização?
Não é só no Brasil que isso acontece, mas quando há notícias ruins, governos querem trocar de agenda para embaralhar o jogo. Aqui, lança ideias que são não exequíveis, mas geram uma mídia danada. Por exemplo, você está me entrevistando para falar de privatização (risos). Se o governo realmente quisesse e tivesse interesse, deveria ter lançado estudos no ano 1. Mas obviamente não tem. O interesse é criar uma cortina de fumaça, ou por troca de pessoas ou lançando um conceito profundamente inexequível (impossível de fazer).
A privatização da Petrobras não é factível?
Não há estudo sério sobre a privatização de uma empresa com essa complexidade. Na verdade, não há estudos, no plural, porque seria preciso de mais de um, liderados pelo BNDES, como foi feito no governo Fernando Henrique, quando se desenvolveu todo um processo para privatizar empresas. Estamos em final de governo, ideias são jogadas no ar para ver que bicho dá. Não é sério. Seria se fosse no ano 1 do governo, com agenda de privatização definida, estudos profundos sobre a exequibilidade da privatização da Petrobras, análises de modelagem, como fazer, como não fazer. Também é preciso ter uma discussão profunda com a sociedade. A Petrobras está em processo de reorganização, vendeu muitos ativos, concentrou esforços em exploração e produção em águas profundas, onde tem vantagem comparativa, tem um acordo com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão de regulação da concorrência) para vender refinarias.
O que pode acontecer se a privatização não for bem modelada?
Um caos semelhante ao da Eletrobras. Houve um esforço grande, a lei foi aprovada no Congresso, mas entrou um jabuti, uma coisa horrível, que multiplicou o custo da privatização da Eletrobras. Incluíram uma exigência absurda, de construir gasodutos para favorecer poucos, gerar energia no Centro-Oeste e no Norte e trazer energia de volta. É uma iniciativa totalmente estapafúrdia.
Caso a venda da Petrobras seja levada adiante, quanto tempo exigiria?
Não tem como estimar com precisão, mas seria algo em torno de três a quatro para levar adiante esse processo e chegar a alguma conclusão. Não tenho nada contra pedir estudos, como se faz para a privatização de muitas empresas. Mas não é isso que vai resolver o problema dos preços de combustíveis. Na melhor das hipóteses, é algo que pode vir a acontecer, não se sabe nem de que forma, no próximo governo, se vier a acontecer. É uma discussão extremamente politizada. Dependendo que quem for eleito, não vai acontecer mesmo. A Petrobras é uma empresa muito complexa, que tem muita influência na economia brasileira. É uma situação um pouco diferente da decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, quando decidiu reorganizar a Stardard Oil (empresa fundada em 1870 por John D. Rockefeller que se tornou a maior refinadora de petróleo do mundo em seu apogeu até que, em 1911, a Suprema Corte a considerou um monopólio ilegal e obrigou sua divisão). Era contexto diferente, no bojo de processo muito longo sobre exercício de poder de monopólio.
Mas seria possível, ou aconselhável, vender a Petrobras em um bloco só?
Hoje a Petrobras é razoavelmente bem administrada, principalmente a partir da gestão de Pedro Parente, que fez um belíssimo trabalho e teve continuidade com Castello Branco, Silva e Luna e até agora. Não acredito que o melhor modelo seja o de simples capitalização. No caso da Eletrobras, essa foi a saída para restrições políticas à divisão em grandes blocos, que no caso já estavam até formados, como Furnas, Eletronorte. Acredito que, nos dois casos, as partes são maiores do que o todo. Acho que, em uma eventual privatização da Petrobras, suas partes teriam um valor de mercado maior do que o atual do todo. Mas 'acho', nesse caso, não tem muito valor. Por isso, é fundamental fazer estudos. Há gente séria, competente, com visões diferentes.
Se a privatização não é alívio para a alta de preços, o que poderia ser?
Um estudo recente do FMI (Fundo Monetário Internacional) mostra o que países estão fazendo. Não entra no mérito se está certo ou errado, apresenta um conjunto de alternativas que não necessariamente são piores ou melhores. Muitos países mexeram nos impostos temporariamente. Outros dão subsídios gerais, outros fazem transferências diretas a grupos de população. Como os combustíveis impactam um conjunto muito amplo de produtos e serviços, deveríamos ter alvo nos transportes públicos de massa, que são afetados por preços de combustíveis e atendem a classe média para baixo, camadas de renda já muito fragilizadas. Os aumentos afetam a viabilidade financeira de muitas empresas, públicas e privadas, desse segmento. E também avaliar uma ajuda extra à população mais pobre, que já está recebendo Auxílio Brasil de R$ 400, ver se um reajuste seria possível já que o benefício está sendo comido pela inflação acima de 12%. O que não faz sentido é subsídio para todos. Eu não preciso de subsídio do governo, mas se entro no metrô não pago passagem, por idade. Tem de reduzir essas distorções para melhorar a saúde das empresas de mobilidade urbana.