Fazia meses que a coluna tentava entrevistar Nina Silva, CEO do Movimento Black Money, cujo objetivo é desenvolver o ecossistema afroempreendedor e estimular a inovação entre empreendedores e jovens negros. Quando soube que viria ao South Summit, achou que a tarefa seria mais fácil. Que nada. Foi preciso procurar muito até encontrar. A partir daí, outro desafio: esperar a vez na longa fila de pessoas que buscavam um minuto da atenção para fazer selfie, entregar cartão ou só dar um abraço e dizer que ela é inspiradora. A entrevista, feita quase no encerramento do evento, no final da sexta-feira (6), foi feita caminhando até o local onde a empreendedora almoçaria, depois das 17h. Nina nasceu Marina Silva no Jardim Catarina, que já foi considerada a maior favela plana da América Latina, em São Gonçalo (RJ). Hoje, é executiva de TI e considerada uma das cem pessoas afrodescendentes com menos de 40 anos mais influentes do mundo. Arrastou uma multidão — conforme colegas que acompanharam a lotação do espaço, a maior de todas — para sua palestra no South Summit. Ou seja, uma estrela.
Fala-se muito em inclusão e diversidade no ecossistema de inovação, mas ainda se fala mais do que se faz?
Sim, é assim ainda. Infelizmente, quando se fala de inclusão e diversidade, existe um trabalho sendo construído para inclusão de gênero, mas pouco ou nada se fala ou faz em relação a raça. Em relação a gênero, registramos uma melhora nos números de inclusão em alta liderança, mas não vemos fomento para negócios geridos por mulheres. Então, quando se fala de inclusão, é preciso falar de autonomia. Como se faz para que empresas fundadas por mulheres tenham acesso a capital e para capacitar jovens negros, meninos e meninas, não só mulheres negras, para que possam entrar no setor de tecnologia, no mundo financeiro? Precisamos de investimentos, tanto educacionais quanto de empresas criadas por pessoas diversas, para terem, no protagonismo dessas pessoas, a oportunidade de acesso e alavancagem econômica. Não adianta apenas incluirmos como colaboradores, isso ajuda na reputação da empresa e também no desempenho, pois traz mais criatividade e melhores soluções. Precisamos alimentar outros ecossistemas. O inovador está em crescimento no Brasil, principalmente por conta dos altos índices de desemprego que sofremos. São as populações mais excluídas que acabam, muitas vezes. empreendendo para subsistir. Precisamos apoiar esses negócios para que tenham investimento de empreender por oportunidade, não só por necessidade.
Qual é a grande barreira, ainda é o racismo estrutural?
É, o racismo estrutural é a grande estrutura de exclusão e de manutenção desse sistema que marginaliza e mantém poder em poucas mãos. A fome, a evasão escolar, o feminicídio, a transfobia, tudo isso tem cor. A idade média de uma pessoa trans negra é de 25 anos, enquanto a da população trans em geral é de 35 anos. Então, até mesmo em um grupo que já é excluído, existe uma camada ainda mais vulnerável quando se trata de raça. Então, o racismo estrutural é a grande base. Precisamos tratar a causa, não os efeitos. A gente trata muito de assistência, de cesta básica. É claro que a questão da fome precisa cessar, mas com inclusão produtiva e desenvolvimento econômico. Para isso, precisamos fomentar educação e investimento nos negócios da população que está marginalizada no país.
Existem programas e iniciativas, como o África Tech, que olham para o problema e falam 'vamos incluir com intencionalidade'. Inclusão por inclusão, sem desenvolvimento, mentoria e continuidade, é apenas gerar um número.
Que iniciativas conseguem dar resposta?
As iniciativas de apoio de crédito para pequenos negócios, muitos desses programas da sociedade civil para a inclusão de mulheres e negros no mundo da tecnologia e das finanças. Existem programas e iniciativas, como o afreektech (programa de cursos gratuitos, clique aqui para saber mais), que olham para o problema e falam 'vamos incluir com intencionalidade'. Inclusão por inclusão, sem desenvolvimento, mentoria e continuidade, é apenas gerar um número. O que precisamos é de iniciativas que pensem a inclusão em níveis estratégicos das empresas, mas com acompanhamento e desenvolvimento. Ampliar o ecossistema também é necessário. Se a empresa está inserindo colaboradores negros, por que não está inserindo fornecedores negros na sua cadeia de produção? Por que não está criando open innovation (inovação aberta) com startups de pessoas negras? Isso é olhar para esse novo futuro e fazer com que humanos estejam integrados. Esses humanos são diversos e nos auxiliam a criar um mundo mais justo, um mundo melhor para todas as pessoas.
O que fez diferença na sua trajetória?
Na minha história, foi eu ter pai e mãe vivos e juntos, o que é muito diferente da maioria da população preta do país. Historicamente, temos um abandono de lares por conta de uma estrutura que mata os homens negros, por conta de uma estrutura que separa famílias desde os tempos de (Pedro Álvares) Cabral. Para que isso se modificasse e para que eu tivesse minimamente hackeado (no sentido de ter acesso ao que é fechado) o sistema, como eu acabei hackeando, o que fez a diferença foi ter pais vivos, um privilégio (em relação às médias da população negra) e ainda juntos, pensando na educação de suas filhas e se virando financeiramente, vivendo de bicos, vivendo de serviços domésticos, mas com a intencionalidade do processo educacional para uma tentativa de construção futura. E isso não quer dizer que, se outras meninas negras tiverem pais e mães em casa, vão ter as mesmas oportunidades, não é sobre isso. É sobre eu minimamente dizer que vim de um lugar que, infelizmente, a maioria populacional negra não vem, que é de um lar construído mesmo que, a todo tempo, o racismo tente nos separar.
Não quero ecoar a minha história, quero poder trazer outras vozes à tona, para criar novas oportunidades.
Como você se sente em relação ao sucesso com o público?
Minha voz precisa ecoar outras vozes. Se essas pessoas estão chegando e me falando 'Nina, você me representa', é porque o trabalho está sendo feito. Não quero ecoar a minha história, quero poder trazer outras vozes à tona, para criar novas oportunidades. Quando me conecto com as pessoas e elas vêm, falam comigo e pedem foto, é porque, minimamente, estão se vendo representadas e um pouco do trabalho está sendo construído.
*Colaborou Camila Silva