O pedido de estudos para privatização da Petrobras feito pelo novo ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, recolocou a eventual venda da estatal no centro do debate nacional. Mas não terá efeito imediato, ou sequer de curto prazo, adverte Márcio Couto, coordenador de pesquisa da FGV Energia. Para Couto, que tem participado de discussões com vários especialistas sobre o tema, uma privatização desse porte não ocorreria antes de um ano por questões técnicas. Pondera que, dados os aspectos políticos, pode levar muito mais tempo. E mesmo que ocorra, em qualquer modelo, não garante preços menores para os combustíveis no Brasil, avisa, acrescentando que suas opiniões são pessoais, não da instituição Fundação Getulio Vargas (FGV).
O pedido de privatização da Petrobras tem consequências imediatas?
Em princípio, não. Mesmo que o governo queira levar a cabo essa iniciativa, será um processo longo. Um processo de avaliação de uma empresa do tamanho da Petrobras é complexo. Deve ser uma discussão bastante longa, sem efeito em preço de combustíveis. É algo para o futuro e, em ano de eleição, mais para o futuro ainda. É uma discussão válida, mas tecnicamente envolve um prazo muito longo. O próprio rito de privatização é longo por definição. Levaria pelo menos um ano.
Um ano não é até uma previsão otimista?
Do ponto de vista técnico, seria o razoável para passar por todos os estágios. Mas a questão que não pode ser analisada só desse ponto de vista. Essa estimativa não leva em conta as implicações políticas de uma discussão sobre a privatização da Petrobras.
Uma eventual privatização da Petrobras permitiria preços menores para os combustíveis?
A alta no preço do diesel afeta toda a economia, eleva custos do transporte, alimentos e de quase todas as mercadorias. O Brasil é importador de diesel. No mais recente boletim de arrecadação da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), a compra no Exterior correspondia a 23,2% do consumo nacional no final de 2021. Por isso, o Brasil tem de praticar preço de paridade com o importado, senão corre risco de desabastecimento. Se a Petrobras cobra menos, todo mundo vai querer comprar da empresa, que não vai ter o suficiente. E ninguém vai querer comprar o diesel importado. O desabastecimento representaria crise ainda maior do que a da alta de preços. A alternativa seria aumentar a produção de diesel no Brasil. O que se poderia aventar é que, com privatização, poderia haver investimento em refino e consequente aumento da produção de diesel no Brasil, para tornar o país autossuficiente. Mas a Petrobras tem dificuldade em vender suas refinarias (só duas de oito, uma das quais muito pequena). Então, é difícil atrair novos investimentos em refino.
Seria preciso vender em pedaços, para não trocar monopólio estatal por privado?
Hoje, não dá para saber o que seria melhor. A Petrobras é muito grande, tem muitas operações. Até um eventual fatiamento tem de ser muito bem embasado. Também não há garantia de que uma eventual privatização da Petrobras levaria a preços menores. O aumento do preço responde a uma conjuntura global, não brasileira. Tentar fazer algo para conter essa evolução de preços é difícil.
Um fundo de estabilização ajudaria?
A experiência internacional mostra que não deu bons resultados. Países que tentaram abandonaram aos poucos. A ideia é estabilizar a volatilidade, quando os preços sobem e descem, mas não segura altas sucessivas. Se continuar subindo, não tem fundo que estabilize. Aí vira subsídio, que exige outra discussão: faz sentido subsidiar, e o quê? A experiência internacional mostra que o caminho mais adotado é usar impostos para segurar a volatilidade. Na gasolina, de 40% a 50% do preço é imposto, no diesel menos. Se o ICMS não flutuasse, seria um amortecedor. Mas o ICMS também é a principal fonte renda dos Estados, que estão em situação financeira ruim. Os Estados decidiram manter a alíquota estável, mas no teto, o que impede o uso do ICMS como redutor de volatilidade. Outros países tentaram controles de preço, mas abandonaram porque desorganiza o mercado. Existem duas discussões, uma técnica, outra política. O diagnóstico técnico é de que o fundo não resolve e gera passivo fiscal ruim. Na esfera política, existe a preocupação legítima de amenizar o efeito da alta sobre a sociedade. De meu ponto de vista, o melhor mecanismo é o ICMS fixo. O subsídio deveria ser direto, como o criado para o gás de cozinha, ou para determinadas classes de trabalhadores, como a dos caminhoneiros.
Os dividendos pagos pela Petrobras à União poderiam ser usados para isso?
Sim, mas com limite, porque o gasto do dinheiro da Petrobras cria uma conta para o futuro. O mais razoável seria definir quem seria protegido, com efeito importante para economia, emprego e renda. O governo federal é o maior receptor dos dividendos e de outras receitas, como a parcela do lucro da extração no pré-sal (empresas privadas produzem e pagam ao governo uma espécie de participação, que é chamada "óleo-lucro"), royalties, dividendos. Uma parte enorme desse dinheiro vai para governo, outra fica na Petrobras para reinvestir. Se o governo quiser dar subsídio, pode usar sua fatia do dividendo. O maior problema é buscar respostas que desorganizem o sistema, que hoje funciona bem, para lidar com a questão política. Até porque inflação também se combate com controle do gasto fiscal. Se usar dinheiro público, tem de ser bem usado. É claro que esses aumentos afetam muito toda a sociedade, o custo do transporte pesa muito da renda do brasileiro.