Apesar do aceno de que os jabutis seriam retirados da árvore, o Congresso abriu caminho para a capitalização da Eletrobras com os galhos ainda mais carregados de pesos que não deveriam estar lá.
Aprovada na noite de segunda-feira (22) pela segunda vez na Câmara, a MP 1.031 representa a primeira privatização "de verdade" do governo Bolsonaro – aquelas em que a União sai do controle de uma estatal. Mas os defensores da desestatização não estão nada satisfeitos.
Essas usinas, conforme o texto, terão de ser instaladas em localizações determinadas do Nordeste, do Centro-Oeste e do Sudeste. Nas duas primeiras regiões, não há gasodutos para alimentar as termelétricas. Ou seja, além da construção das plantas, terá de ser implantada uma rede de dutos. Os cálculos da conta espetada no bolso do consumidor – seja setor público ou iniciativa privada, é onde vai parar – variam de R$ 20 bilhões a R$ 300 bilhões, ou seja, são cifras maiúsculas.
Na semana passada, Persio Arida, ex-presidente do BNDES e grande defensor da privatização, disse que "quando grupos de interesse se apropriam de processos de desestatização, é melhor não fazer". O consultor Rafael Herzberg, que considera "imperativo" privatizar a geração, diz que a da Eletrobras se tornou "uma vergonha", por estar "associada a exigências de investimentos absurdos, representados por contratações de unidades de geração sem qualquer ligação com competitividade". Até Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização que saiu do governo porque nada deslanchava, considerou o texto aprovado "oneroso".
Várias associações do setor privado apontaram risco de aumento na tarifa de energia resultante dessas manobras, o que o governo nega com veemência, alegando ter fixado o teto do custo da energia gerada por essas novas usinas em R$ 350 por megawatt-hora (MWh), com o custo dos gasodutos incluído. O problema é que o papel aceita tudo: o valor é considerado totalmente fora da realidade pelo mercado.
Em entrevista coletiva nesta terça-feira, Diogo McCord, sucessor de Mattar na Secretaria de Desestatização, Desinvestimento e Mercado, admitiu o possível descasamento entre teoria e prática, dizendo que os parlamentares decidiram colocar especificidades no projeto que "talvez tragam dificuldade para sua viabilização".
– Quando o governo abrir o leilão, o mercado apresentará diferentes propostas.
Autodefinido como "ponto fora da curva" no debate sobre o tema, Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, ponderou à coluna:
– O Congresso aproveitou a MP da Eletrobras para tomar medidas de desenvolvimento regional e dar maior diversidade à matriz elétrica. E fez porque o Executivo não fez durante 20 anos.
A coluna perguntou se a tradução seria "tem jabuti, mas é do bem", e Pires confirmou. Para o especialista, a MP, tal como foi aprovada, traz três benefícios: permite gerenciar melhor a água dos reservatórios, reduz a volatilidade do mercado elétrico no Brasil, que segundo ele chega a 600%, e dará segurança a investimentos em geração eólica e solar.