Ainda antes do início oficial da transição entre o atual e o futuro governos, que começa nesta segunda-feira (7), uma polêmica já afeta essa relação. E é uma conta grande: são R$ 43,7 bilhões que a Petrobras anunciou que vai distribuir sob a forma de dividendos, o que significa remuneração aos investidores, sejam públicos (governo federal) ou privados.
Só no primeiro trimestre, a estatal distribuiu outros R$ 136,2 bilhões em dividendos, o que levaria o valor dos nove primeiros meses do ano a R$ 179,9 bilhões. O valor é 77,5% maior do que o pago em todo o ano de 2021, quando a Petrobras foi a petroleira mais lucrativa, sem contar a Saudi Aramco.
Só para dar uma ideia do que o valor significa, seria mais do que o considerado "aceitável" para a "licença para gastar" pedida pelo futuro governo. Mas é importante observar que uma coisa é uma coisa, outra é outra. Cerca de um terço desse valor vai para a União, ou seja, ajuda nas contas do governo de plantão. Outros dois terços vão para acionistas privados, que ficaram anos sem essa receita porque a Petrobras enfrentava dificuldades originadas de represamento aumentos de combustíveis e desvios provocados por corrupção.
Um dos argumentos da equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva é de que seria uma "antecipação" de dividendos. É verdade, até 2020 a estatal fazia distribuição anual e advertiu que "esses proventos serão abatidos dos dividendos a serem aprovados na assembleia geral ordinária de 2023", em comunicado. A decisão de antecipar dividendos foi tomada em 2021, no calor da discussão sobre a "contribuição" da Petrobras à sociedade, dado o tamanho do lucro da estatal.
Ou seja, não é ilegal, mas os valores são questionáveis. Tanto que o Ministério Público de Contas (MPC) pediu que o Tribunal de Contas da União (TCU) "avalie a legalidade" da distribuição. O argumento do MPC é de que a Petrobras poderia comprometer seu fluxo de caixa livre. Pondera que o valor já distribuído de dividendos até agora equivale ao dobro do resultante dos fluxos. Isso indicaria que a Petrobras estaria usando na distribuição recursos da venda de ativos da estatal, o que é vedado pela legislação.
Outro temor expressado pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, a primeira a reclamar da distribuição, é de que esse pagamento possa comprometer a capacidade de investimentos da Petrobras. Parte dos recursos já entrará nos cofres públicos na próxima gestão, porque parte do pagamento está prevista para dezembro, outra para janeiro de 2023. Uma das causas das queixas de representantes e aliados do futuro governo é a intenção de Lula de voltar a investir em refino, uma das estratégias citadas para "abrasileirar" o preço dos combustíveis na bomba.
Até por isso, no mercado já se antecipa que esses serão os últimos dividendos dos próximos quatro anos, porque o futuro governo dará preferência a investir, em vez de distribuir. Caso as estimativas se confirmem, a Petrobras deve pagar neste ano cerca de R$ 217 bilhões aos acionistas. Nesse caso, a União (governo federal), que tem 28,7% dos papéis, ficaria com R$ 62 bilhões. Outros R$ 155 bilhões iriam para investidores privados.