Como a coluna vem informando, a conta do rombo para 2023 parte de R$ 100 bilhões e chega a R$ 435 bilhões - chegava, porque será atualizada para algo mais perto de R$ 470 bilhões (veja o motivo no final da entrevista). Mas risco é diferente do "waiver fiscal" que a equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, começou a negociar nesta quinta-feira (3) com o Congresso, ressalva Bráulio Borges, pesquisador associado de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), um dos autores do estudo mais abrangente - o outro é Manoel Pires. Em entrevista à coluna, Borges avalia que o máximo aceitável para a "licença para gastar" pretendida pelo futuro governo é de R$ 150 bilhões. E explica por quê: equivaleria as despesas de 2023 às feitas em 2022 em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), e dentro da expectativa de mercado para aumento da dívida pública. Sim, porque é bom que se lembre: despesa acima de receita vira divida, seja em governo de A ou governo de B.
Vai ser possível acomodar tantas promessas e gastos não previstos no orçamento de 2023?
É importante lembrar que os R$ 435 bilhões são um montante de riscos fiscais, alguns potenciais, que podem não se materializar em 2023, mas em 2024. E também que nem todos têm impacto no teto de gastos, porque são reduções ou renúncias de receitas. Quando se volta para essa discussão que teve largada hoje (quinta, 3), principalmente do waiver fiscal, está restrita à discussão do teto de gastos.
O que precisa ser considerado?
Neste ano, a despesa total da União, ou seja, do governo federal, deve fechar em 19% do PIB, que inclui gastos dentro do teto e extrateto, como os liberados pela PEC Kamikaze. O projeto de lei orçamentária (Ploa) enviado ao Congresso prevê despesa total de 17,6% do PIB, nada fora do teto. A gente sabe que esse orçamento é irrealista. Entre outros motivos, porque prevê pagamento do Auxílio Brasil em R$ 405, corta 60% das despesas com Farmácia Popular (ao redor de R$ 2 bilhões em 2022, com previsão ao redor de R$ 800 milhões). São exemplos, há várias políticas públicas previstas nas despesas discricionárias que caíram muito de um ano para outro.
Se a despesa fica estável, do ponto de vista de recepção do mercado financeiro, tende a ser mais bem-recebida
O que seria suficiente para dar conta disso?
Diria, com base nisso, que o teto para esse waiver seria entre R$ 140 bilhões e R$ 150 bilhões. E por que esse valor? Porque a despesa total do governo federal ficaria estável em relação a 2022. E se a despesa fica estável, do ponto de vista de recepção do mercado financeiro, tende a ser mais bem-recebida. Mostra sustentabilidade fiscal. Veja bem, não precisa ser tudo isso, é um limite, não um piso, para citar num mágico que manteria a despesa estável.
É possível encaixar as lacunas e as promessas nesse valor?
Acredito que sim. Se fizer a conta, precisa de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões para manter o benefício em R$ 600. Para dar os R$ 150 adicionais por criança até seis anos, é possível que a volta das condicionantes do Bolsa Família liberem recursos para essa promessa. O programa terá de ser revisto para melhorar a focalização. O programa atual tem distorções, tem provocado aumento do número de famílias monoparentais porque as pessoas se dividem para obter mais recursos.
A correção da tabela do IR não afeta o teto, é redução de receita, não aumento de gastos, então pode ficar fora do waiver.
E as demais promessas?
Serão necessários cerca de R$ 30 bilhões para poder aumentar o investimento público, para programas como o PAC e o Minha Casa Minha Vida, e mais entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões para recompor políticas públicas feitas por meio de despesas discricionárias, como Farmácia Popular, CNPq, Capes, reestruturação do Ibama. Isso soma cerca de R$ 120 bilhões.
Mas faltam aumento real do salário mínimo, correção da tabela do Imposto de Renda e aumento do funcionalismo, por exemplo.
A correção da tabela do IR não afeta o teto, é redução de receita, não aumento de gastos, então pode ficar fora do waiver. Afeta o resultado primário, mas não o teto. O reajuste do funcionalismo já está no Ploa. Está reservada um verba de R$ 11 bilhões. Se for um aumento linear (igual para todas as categorias), daria 5%. Fica bem aquém da inflação acumulada em três anos (período em que os vencimentos ficaram congelados), que chega a cerca de 20%. Para resolver, o governo pode sinalizar um reajuste escalonado em três ou quatro anos.
E o aumento real do salário mínimo?
Diria que é pouco recomendável dar reajuste real (acima da inflação), mas tem um fator que pode ajudar. O Ploa enviado ao Congresso em agosto previa inflação de 7,4%. Agora, a previsão é de 5,2%. Como o novo governo acena com 1,3% a 1,4% de aumento real, o total daria algo como 7,5%. Então, com essa conta, o valor nominal do salário mínimo deve ser praticamente o mesmo que está previsto (R$ 1.302 no texto enviado ao Legislativo), mas vão poder dizer que é reajuste real, politicamente. Claro que essa não é uma questão resolvida, é preciso avaliar como será equacionada nos próximos anos. E se olharmos para o orçamento para além do teto de gastos, ainda há expectativa de que a inflação menor tenha impacto na receita.
Na prática, o mercado hoje considera que boa parte desses R$ 400 bilhões vai se materializar no próximo ano.
Essa seria a "licença para gastar" palatável?
Sim, mas há riscos já até subiram desde a nossa última conta. Havíamos previsto os pagamentos de precatórios represados em R$ 57,6 bilhões, mas fui olhar há poucos dias, para outro trabalho, e o volume já chega perto de R$ 90 bilhões. Então, tudo o mais mantido, a conta total subiria para R$ 470 bilhões. Mas se olhar as projeções do mercado do Boletim Focus, para a dívida pública de 2023 dá um salto de quatro pontos percentuais em relação à deste ano de 78% para 82% do PIB. Na prática, o mercado hoje considera que boa parte desses R$ 400 bilhões vai se materializar no próximo ano.