No discurso de posse feito no Congresso, o agora presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, deu poucas pistas novas sobre como será o comando da economia, mas acentuou uma fórmula que tem marcado declarações e decisões: o de sustos e afagos, também chamado de "morde&assopra".
Se voltou a falar na "cupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas" e em "uma estupidez chamada teto de gastos, que haveremos de revogar", Lula também lembrou ter governado o país com "realismo orçamentário, fiscal e monetário, buscando a estabilidade, controlando a inflação e respeitando contratos" (veja trechos de temas econômicos abaixo).
Na hora de citar o um trinômio construído a quatro mãos com seu vice, Geraldo Alckmin: credibilidade, estabilidade e previsibilidade, que ganhou na campanha o apelido de "CEP", fez uma ligeira adaptação: trocou "estabilidade" por "responsabilidade".
Na prática, esse método parece já marcar as primeiras decisões de governo, ainda antes da posse. Na polêmica da prorrogação da isenção de impostos federais sobre gasolina, diesel e gás de cozinha, o ainda futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu sinais de que a reoneração seria um gesto na direção da responsabilidade fiscal, porque eliminaria uma renúncia fiscal de cerca de R$ 50 bilhões.
No entanto, o núcleo político parece ter vencido a parada, e na tarde deste domingo o futuro presidente da Petrobras, Jean Paul Prates - caso seja aprovado nos processos internos da estatal - já avisou que a prorrogação por 60 dias deve ser alvo de uma medida provisória a ser editada nas próximas horas. Nesse caso, venceu o "morde". Será preciso deixar o governo começar de fato para saber quantas vezes prevalecerá o "assopra".
Trechos que levantaram orelhas no setor privado
"Desorganizaram a governança da economia, dos financiamentos públicos, do apoio às empresas, aos empreendedores e ao comércio externo. Dilapidaram as estatais e os bancos públicos; entregaram o patrimônio nacional. Os recursos do país foram rapinados para saciar a cupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas."
"Hoje mesmo estou assinando medidas para reorganizar as estruturas do Poder Executivo, de modo que voltem a permitir o funcionamento do governo de maneira racional, republicana e democrática. Para resgatar o papel das instituições do Estado, bancos públicos e empresas estatais no desenvolvimento do país. Para planejar os investimentos públicos e privados na direção de um crescimento econômico sustentável, ambientalmente e socialmente".
"Vamos dialogar, de forma tripartite – governo, centrais sindicais e empresariais – sobre uma nova legislação trabalhista. Garantir a liberdade de empreender, ao lado da proteção social, é um grande desafio nos tempos de hoje."
Trechos que aliviaram ouvidos aflitos
"O futuro pertencerá a quem investir na indústria do conhecimento, que será objeto de uma estratégia nacional, planejada em diálogo com o setor produtivo, centros de pesquisa e universidades, junto com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, os bancos públicos, estatais e agências de fomento à pesquisa.
"Nenhum outro país tem as condições do Brasil para se tornar uma grande potência ambiental, a partir da criatividade da bioeconomia e dos empreendimentos da socio-biodiversidade. Vamos iniciar a transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, uma agricultura familiar mais forte, uma indústria mais verde."
"O modelo que propomos, aprovado nas urnas, exige, sim, compromisso com a responsabilidade, a credibilidade e a previsibilidade; e disso não vamos abrir mão. Foi com realismo orçamentário, fiscal e monetário, buscando a estabilidade, controlando a inflação e respeitando contratos que governamos este país."
Atualização: no parlatório do Planalto, diante da multidão de apoiadores, Lula fez um discurso emocionado, chegando a chorar ao falar das crianças que pedem ajuda nas ruas. Destacou a desigualdade, que no Brasil, de fato, é uma das maiores do mundo. Disse que ele e Alckmin estão assumindo o compromisso de "combater dia e noite todas as formas de desigualdade". Citou as de renda, de gênero e de raça, no no mercado de trabalho, na representação política, nas carreiras do Estado, no acesso a saúde, educação e de quem "joga comida fora, e quem só se alimenta das sobras". E arrematou:
— É inadmissível que os 5% mais ricos deste país detenham a mesma fatia de renda que os demais 95%.
Se colocar os pobres no orçamento e voltar a combater a fome no Brasil são desafios gigantescos, a redução da desigualmente é uma dificuldade monumental. Mas precisa ser enfrentada com a mesma disposição que o país tem de aplicar para reduzir sua dívida.