O candidato do PT à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva está sob forte pressão para definir com mais clareza as linhas econômicas de um eventual futuro governo. Um dos motivos é a falta de um programa robusto com propostas estruturadas. O texto entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem apenas 21 páginas. A campanha havia anunciado intenção de detalhar, mas o primeiro turno terminou sem que isso ocorresse. Além disso, empresários que se comprometeram com Simone Tebet (MDB) cobram um passo ao centro para avaliar o apoio. A coluna ouviu Antonio Corrêa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), um dos economistas que assinam o conjunto de diretrizes disponível, para aprofundar alguns pontos essenciais.
Observação: a coluna também buscou entrevistar um formulador do programa eleitoral do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). O Ministério da Economia informa que Paulo Guedes não fala sobre o tema e a assessoria diz não ter porta-vozes. Uma entrevista semelhante será publicada assim que encontrar um interlocutor.
Por que até agora o PT não apresentou um programa detalhado?
A ideia, de fato, era de que em algum momento tivéssemos esse programa detalhado. Como há uma federação, são 11 partidos, o que fizemos desde o início foi um processo de construção coletiva, diferente de outros candidatos. É um processo difícil, porque está sendo debatido com vários agentes, empresários, trabalhadores, sociedade civil. Isso impediu que tivéssemos um programa definitivo. No segundo turno, com uma frente mais ampla, será preciso acrescentar contribuições. Em segundo lugar, não temos acesso a dados.
Que tipo de dados?
Os sobre a situação fiscal real, por exemplo.
A Secretaria do Tesouro Nacional divulga mensalmente esses dados.
Parte é divulgada, mas sem detalhamento. Precisamos saber o todo. Então, esse programa está em construção, só ainda não foi concluído. Existem detalhamentos que a parte técnica propõe, mas têm de ser aprovados.
Uma questão fundamental é o modelo de Estado e seu papel no desenvolvimento econômico. Apostar só no mercado é tiro n'água.
Qual é a âncora fiscal que o PT vai propor, já que o programa existente e o candidato mencionam o fim do teto de gastos?
Para definir o arcabouço fiscal, precisamos ter acesso a todos os dados. De qualquer forma, quem vai decidir é o Congresso. O teto de gastos ruiu no governo Bolsonaro, e houve captura do orçamento por parte do Centrão. O teto é insustentável, por não levar em conta crescimento populacional, ciclos da economia. Quem tem pago a conta do ajuste fiscal é o investimento público em infraestrutura, saúde, educação, ciência e tecnologia. O resultado é o nível mais baixo de investimento público da história. Então, é um teto às avessas: não corta o gasto corrente, sacrifica investimentos.
A solução seria a meta de dívida?
Incorreria nos mesmos problemas do teto. Se coloca meta e o PIB cai, a meta vai para o buraco se cortar onde não deveria. Uma questão fundamental é o modelo de Estado e seu papel no desenvolvimento econômico. Apostar só no mercado é tiro n'água. Isso não é opinião, é constatação. É preciso colocar o desenvolvimento como objetivo principal.
Isso leva a excesso de gastos?
Não significa que liberou geral a gastança, que não vai haver qualquer meta e que se vai gastar o quanto for possível. Haverá responsabilidade. Mas vamos precisar de um waiver (licença, exceção) em 2023.
Os candidatos, Lula e Alckmin, têm falado no trinômio que chamamos de "CEP": credibilidade, estabilidade e previsibilidade.
Há um desafio na relação com o Legislativo?
Há um falso dilema, que é escolher entre teto de gastos e meta de dívida. O que temos de definir é o modelo para colocar o país na rota do crescimento e da geração de emprego e renda. Isso traz um efeito benéfico para o ajuste fiscal. Os candidatos, Lula e Alckmin, têm falado no trinômio que chamamos de "CEP": credibilidade, estabilidade e previsibilidade. Precisamos estabelecer critérios e evitar que se crie limitação para a expansão da economia.
Como se prevê lidar com o orçamento secreto?
Com uma nova relação com o Congresso, com bases republicanas. Vamos estabelecer as condições de governabilidade com diálogo e negociação, focando em objetivos gerais, não específicos. Em seus mandatos, Lula teve senso de responsabilidade fiscal sem deixar de expandir investimentos público. A relação com o Congresso terá de passar por um pacto por desenvolvimento e estabilidade. Vamos deixar transparente para a sociedade o que está em jogo. Se houver resistência, vamos publicizar. É preciso ficar mais claro para a sociedade a conta que está se pagando sem retorno.
O ministro da Fazenda de um eventual governo Lula será um político?
Todas as possibilidades estão em aberto. Vai depender dessa nova configuração.
O sistema tributário atual é complexo, burocrático e tira a competitividade do Brasil. Reformas não são panaceias, mas são importantes para conduzir o país ao desenvolvimento.
Que reformas avançariam em um eventual governo Lula?
Temos críticas às contrarreformas. Falamos em mudar a reforma trabalhista, as pessoas entenderam que seria revogada para voltar ao status anterior. Obviamente não vamos fazer isso. Mas é preciso refazer a reforma para incorporar os trabalhadores por aplicativo, corrigir distorções. A administrativa é claro que precisa, até para voltar ao Estado como se precisa dele. A tributária é uma das prioridades. Precisamos dotar o Estado de receitas estáveis para poder financiar a economia e corrigir distorções absurdas. Nosso regime tributário é regressivo (pobres pagam mais). Há muitas desonerações fiscais sem retorno. O sistema tributário atual é complexo, burocrático e tira a competitividade do Brasil. Reformas não são panaceias, mas são importantes para conduzir o país ao desenvolvimento.
As bases da reforma tributária seriam as PECs que já estão no Congresso?
Não a base, mas pode-se usar parte. É preciso mexer no essencial, que é progressividade, competitividade. Existe um diálogo amplo com todos os atores envolvidos na reforma tributária, para construir uma base mínima a ser negociada imediatamente. Se eu tivesse que decidir, começaria pela tributária, que tem discussão, está mais adiantada.
Há outro ponto considerado essencial?
Queremos recolocar o tema da industrialização, queremos a política industrial de volta ao centro do debate. O Brasil é um dos poucos países que têm condições de ser bons no agro, no mineral, na energia, na indústria - que precisa ser recuperada, reinventada - e no setor de serviços. Talvez haja meia dúzia com esse potencial do Brasil.