O primeiro alvo do processo de transição, que começa na quinta-feira (3), será a revisão do orçamento de 2023. Como a coluna já havia relatado, as estimativas de rombo nas contas do próximo ano partem da centena de bilhões e chegam a R$ 435 bilhões na versão mais abrangente conhecida.
É um enorme desafio para o grupo coordenado pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin. O fato de o processo ter sido anunciado pelo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, na visão da equipe de Lula, não garante que as dúvidas sobre receitas e gastos previstos para o próximo ano sejam resolvidas facilmente.
O relator do orçamento, Marcelo Castro (MDB-PI), já afirmou que as contas do buraco começa em R$ 100 bilhões. Só a conta da manutenção do benefício mínimo de R$ 600, mais o adicional de R$ 150 prometido pelo presidente eleito para cada criança abaixo de seis anos - que não estava na conta -, chega a R$ 70 bilhões. E o aumento do salário mínimo acima da inflação, também compromisso assumido na campanha, também fora do cálculo que chega a R$ 435 bilhões.
No capítulo do mínimo, a proposta de Lula deve ser menos impactante do que a feita por Jair Bolsonaro às vésperas da eleição. No último debate, anunciou um salário mínimo de R$ 1,4 mil em 2023, confirmado em lista de 22 propostas publicada no sábado (29). O valor equivaleria a aumento 15,5% - cerca de 8 pontos percentuais acima da inflação prevista para este ano -, com pressão extra no orçamento e desembolso imprevisto para empregadores.
Conforme interlocutores do presidente, também há intenção de manter a redução das alíquotas de ICMS sobre gasolina, energia e telefonia. Na equipe de Lula, há críticos dessa medida, considerada "pró-fóssil" (ambientalmente incorreta) e não focalizada, ou seja, favorece mais a classe média do que as famílias com renda mais baixa. Como seria impopular para um presidente recém-eleito estrear com aumentos de preço, também deve ser necessário incluir no orçamento a indenização devida aos Estados, ainda que parcial.
É por isso que se fala em "licença para gastar", tradução livre para o termo técnico "waiver" (licença, perdão) que circula na equipe de Lula. Até o mentor da lei do teto de gastos, Henrique Meirelles, já admitiu que o rombo está mais perto de R$ 400 bilhões do que de R$ 150 bilhões. Mas advertiu que é uma licença com limite, caso contrário câmbio e inflação voltarão a assombrar o próximo governo.
Em reunião com empresários em Porto Alegre, o agora coordenador da transição, Geraldo Alckmin, destacou a necessidade de fazer uma reforma tributária. Especialistas avaliam que o debate amadureceu o suficiente para avançar, mas ainda que isso ocorra, para que seja equilibrada não renderá grande quantidade de recursos, disse à coluna Bernard Appy, cotado para destravar o processo de dentro do governo Lula.
Compromissos de Lula na economia assumidos na Carta ao Brasil de Amanhã
1. No desenvolvimento econômico, repete a intenção de reunir os 27 governadores para definir a retomada de obras paradas e definir prioridades. O documento afirma que "os bancos públicos, especialmente o BNDES, e empresas indutoras do crescimento e inovação tecnológica, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo".
2. Menciona uma "Nova Legislação Trabalhista que assegure direitos mínimos – tanto trabalhistas como previdenciários – e salários dignos", elaborada após "amplo debate tripartite (governo, empresários e trabalhadores)". Pretende criar o Empreende Brasil, com crédito a juros baixos para micro, pequenas e médias empresas.
3. Promete salário mínimo forte, com "crescimento todo ano acima da inflação", o Novo Bolsa Família, com R$ 600 permanentes mais R$ 150 para cada criança de até 6 anos, o Desenrola Brasil, de renegociação para inadimplentes, isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, com reforma tributária. E é a mesma promessa feita por Jair Bolsonaro, em 2018, e nunca cumprida.
4. Afirma que buscará "transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, para uma agricultura familiar mais forte, para uma indústria mais verde". Assume "desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica", sem definir data.
5. Acena com a volta do Minha Casa Minha Vida, sem mencionar meta. Quer um um Novo PAC "para reativar a construção civil e a engenharia pesada" para habitação, transporte e mobilidade urbana, energia, água e saneamento.
6. Para reindustrializar o país, sinaliza com estímulos a indústrias de software, defesa, telecomunicações e outros setores de novas tecnologias. Aponta "vantagens competitivas que devem ser ativadas" nos complexos de saúde, agronegócio e petróleo e gás. Promete "atenção especial" para micro, pequenas e médias empresas e startups.
7. Na política externa, renova a aposta na integração regional, no Mercosul, no diálogo com os Brics, países da África, mas inclui União Europeia e Estados Unidos, que tiveram pouca atenção nos dois primeiros mandatos, para exasperação de diplomatas.