Imagine a cena em um país desenvolvido: um alto servidor público, investigado por assédio sexual com relatos estarrecedores, apresenta uma nova política de governo.
Não precisa imaginar: aconteceu nesta manhã de quarta-feira (29): com todo o país discutindo quando será demitido, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, sob investigação do Ministério Público Federal (MPF) fez questão de apresentar a linha de crédito da instituição para a safra 2022/2023.
A despeito de todas as pressões, Guimarães fez questão de abrir o evento do lançamento do Plano Safra 2022/23 da Caixa. No discurso, acabou fazendo uma alusão, sem responder diretamente, às acusações de que é alvo:
— São quase 20 anos juntos (menção à esposa, que estava na plateia), dois filhos, e uma vida inteira pautada pela ética. Tanto é verdade que, quando eu assumi o banco, o banco tinha os piores ratings (avaliação de risco de crédito) das estatais.
O evento foi só para o público interno (de onde partiram as denúncias) e convidados, e foi antecipado para a manhã, depois de estar previsto para as 16h30min, durante o anúncio do Plano Safra 2022/2033 pelo Ministério da Economia. Mas houve transmissão em vídeo. Antes da manifestação de Guimarães, a Caixa havia publicado nota em seu site sobre o tema:
"A Caixa não tem conhecimento das denúncias apresentadas pelo veículo. A Caixa esclarece que adota medidas de eliminação de condutas relacionadas a qualquer tipo de assédio. O banco possui um sólido sistema de integridade, ancorado na observância dos diversos protocolos de prevenção, ao Código de Ética e ao de Conduta, que vedam a prática de 'qualquer tipo de assédio, mediante conduta verbal ou física de humilhação, coação ou ameaça".
Na pior das hipóteses, em um país desenvolvido, um servidor acusado de assédio sexual com base em depoimentos ricos em detalhes e facilmente verificáveis, seria afastado até que a investigação comprovasse — ou não — as denúncias. A informação da hora é de que Guimarães não será demitido: pedirá para ser exonerado. A especulação é de que seja substituído por Daniella Marques Cosentino, secretária de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia. Simbolicamente, uma mulher.
E, significativamente, é mais um nome saído da equipe de Guedes, depois de Adolfo Sachsida no Ministério de Minas e Energia e Caio Paes de Andrade na presidência da Petrobras. E um tanto irônico, porque em uma das fases de "baixa" de Guedes no governo, Guimarães chegou a ser apontado como possível substituto.