Quando o dólar subia, no ano passado, era um componente poderoso da alta de inflação. Neste ano, o real já se valorizou 19,6% em relação à moeda americana, sem que essa virada na relação sequer faça cócegas nos preços.
A cada dia, surge um dado sobre aumento de preços mais preocupante do que o anterior: nesta terça-feira (19), foi a segunda quadrissemana (períodos sucessivos de quatro semanas que nem sempre formam o mês do calendário) de abril da Fipe: 1,72% para uma expectativa mediana (mais frequente) de 1,4%, com pressões dos grupos Alimentação, Habitação e Transporte.
Mas se vale para a alta, o dólar não deveria ajudar na baixa? Deveria, como já detalhou à coluna André Braz, coordenador de índices de preços do Ibre/FGV, quando o câmbio deu uma breve trégua no ano passado. O problema é que as altas de preço, como os brasileiros sabem bem por efeito da discussão sobre o efeito do petróleo na gasolina e no diesel, estão ocorrendo em dólares. A guerra entre Rússia e Ucrânia acentuou o fenômeno que já vinha ocorrendo na pandemia. Além do barril de óleo, entraram em órbita trigo e milho.
Isso significa que, se não fosse a queda do dólar, a alta dos preços por aqui seria ainda maior (toc, toc, toc, que já está difícil assim). E é preciso se preparar para essa hipótese. Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Fibra, fez a comparação: desde o início do ano, o real brasileiro tem a maior valorização do planeta, seguido pelas moedas da Colômbia (8,7%), África do Sul (7,2%), Peru (7,1%) e Chile (4,4%). Como a coluna já detalhou, o principal motivo da reação da moeda nacional é a alta do juro no Brasil, além do fato de o país ser vendedor de commodities (petróleo, minério de ferro, soja) em um momento de grande demanda por essas matérias-primas.
Mas como a inflação é um fenômeno global — embora em cenário pior no Brasil do que nos países ricos —, também incomoda nos Estados Unidos, que discute nestes dias a necessidade de acelerar a alta do juro por lá. Oliveira pondera que o efeito cumulativo da combinação de altas de juros e enxugamento do balanço (revenda dos títulos comprados para estimular a economia) nos próximos trimestres terá impacto sobre as moedas de mercados emergentes. Neste caso, impacto de alta.
O que pode segurar o dólar diante de uma cada vez mais provável aceleração da alta do juro nos Estados Unidos é um outro movimento indesejado: o aperto da Selic por aqui. Como a coluna antecipou, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, falou em "surpresa" com a inflação para preparar o cenário para não encerrar o ciclo de alta na reunião que ocorre em duas semanas, no dia 4 de maio.
Segundo André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton, "não há como relativizar as altas recentes" que estão se mostrando "muito piores que inicialmente pensadas". O resultado?
— O BC deverá. sim, elevar a taxa básica em 100 pontos (básico, ou 1 ponto percentual) em maio e, depois, mais 50 pontos (0,5 ponto percentual) em junho, fazendo a Selic chegar a pelo menos 13,25%.
Os principais índices de inflação
IGPs: Índices Gerais de Preços, calculados pela Fundação Getulio Vargas. Têm três variações, IGP-M, IGP-DI e IGP-10, com diferença apenas no período de apuração. Cada um é composto por três subíndices: Índice de Preços no Atacado (IPA), com peso de 60%, Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%, e Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), com peso de 10%.
IPCA: Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, calculado pelo IBGE, é considerado o índice oficial do Brasil porque serve de referência para o Banco Central. Mede a variação de preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e 40 salários mínimos.
INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor, também do IBGE, mede avariação nos preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e oito salários mínimos. É a referência para negociações de reajustes salariais.
IPCs: Índices de Preços ao Consumidor calculados pela FGV, tem quatro variações, entre as quais a mais conhecida é o IPC-S.