Como se temia desde setembro, o IPCA fechou 2021 em 10,06%. É a primeira vez que o indicador, considerado oficial por servir de referência para as decisões do Banco Central (BC) sobre juro, fecha em dois dígitos desde 2015, quando atingiu 10,67%.
O resultado foi quase duas vezes maior do que o teto de inflação que o BC deveria ter obedecido no ano passado, de 5,25%. Isso obriga seu presidente, Roberto Campos Neto, a publicar uma carta aberta explicando por que descumpriu seu papel e, principalmente, o que fará para evitar que o mesmo ocorra neste ano, quando o teto encurta para 5%.
A projeção do IPCA para 2022 é de 5,03%, conforme o Boletim Focus do BC. É uma estimativa que, como a coluna já definiu, embute uma visão de copo cheio — a inflação vai cair à metade — e outra de copo vazio — vai continuar subindo. Segundo André Braz, coordenador de índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre FGV), a perspectiva de sair dos dois dígitos está concentrada no segundo semestre:
— O IPCA deve ter maior persistência no primeiro semestre, ao menos até maio ou junho. No segundo, os efeitos do aumento do juro devem se materializar com mais força, o que faz a inflação desacelerar. Mas depende de como o mercado vai reagir ao cenário eleitoral. Se continuar o pessimismo com a questão fiscal diante das candidaturas mais bem posicionadas, pode haver novas desvalorizações cambiais, fazendo com que a inflação seja mais persistente do que se consegue enxergar no momento.
Braz lembra, ainda, que a pandemia segue como um elemento crucial para definir o futuro dos preços. Avalia que o risco de como a China vai lidar com a variante Ômicron, apontado pelo Eurasia Group, é bastante significativo, e reforça:
— Quando a sociedade não se vacina, coloca em risco quem está ao lado, não permite que as ondas cessem. Nos países desenvolvidos, que tiveram oferta de vacina em tempo recorde, muitos não aceitam a imunização, o que pode prolongar a necessidade de algum lockdown, com repercussões no abastecimento de insumos ou até com menor demanda de matérias-primas que o Brasil produz. Pode haver surpresas negativas.
Na América Latina, só tiveram inflação de dois dígitos em 2021 a Venezuela, com sua híper de 1.198%, a Argentina, com 51,2%, e Haiti, com 24,6%, todos em 12 meses até novembro, porque ainda não informaram o resultado de dezembro. Entre os emergentes mais visados pelo mercado, só a Turquia, com 36,08% no ano cheio, teve inflação mais alta do que o Brasil no ano passado.
Então, a inflação de 10,06% tem a marca da pandemia, do desarranjo das cadeias produtivas e da crise de energia, mas 2021 deveria ter sido um ano com efeito positivo sobre o câmbio, resultado da boa exportação do Brasil. Diferentemente do que se esperava, o real não se apreciou frente ao dólar com a procura por produtos do Brasil no Exterior. Ao contrário, teve desvalorização, provocada basicamente pelos conflitos alimentados pelo presidente Jair Bolsonaro.
Os principais índices de inflação
IGPs: Índices Gerais de Preços, calculados pela Fundação Getulio Vargas. Têm três variações, IGP-M, IGP-DI e IGP-10, com diferença apenas no período de apuração. Cada um é composto por três componentes: Índice de Preços no Atacado (IPA), com peso de 60%, Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%, e Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), com peso de 10%.
IPCA: Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, calculado pelo IBGE, é considerado oficial porque serve de referência para o Banco Central calibrar o juro básico. Mede variação de preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e 40 salários mínimos.
INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor, também do IBGE, mede avariação nos preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e oito salários mínimos. É a referência para negociações de reajustes salariais.
IPCs: Índices de Preços ao Consumidor calculados pela FGV, tem quatro variações, entre as quais a mais conhecida é o IPC-S.