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Desde 11 de maio, o gaúcho Jeferson Bittencourt é o novo secretário do Tesouro Nacional. Servidor de carreira do órgão, é considerado "fiscalista", ou seja, cumpridor das regras que norteiam os gastos públicos no Brasil, como teto de gastos, regra de ouro e Lei de Responsabilidade Fiscal. A estreia profissional de Bittencourt, ainda como estagiário, ocorreu na Secretaria de Planejamento do governo Britto, comandada por João Carlos Brum Torres — a quem ele se refere pelo apelido, Caçapava. Depois, no mestrado da UFRGS, conheceu Nuno Figueiredo Pinto, que além de professor comandava a assessoria econômica da Fiergs, que o convidou para formar a equipe. Ficou lá de 2000 a 2003, na presidência de Renan Proença.
— Quando o Nuno ficou doente, eu tinha passado no concurso para o Tesouro, mas não estava muito animado. Quando ele faleceu, tomei a decisão de ir para Brasília — relata.
Passou pelas áreas de planejamento estratégico da dívida, de assessoria econômica, de políticas econômica e fiscal e foi secretário adjunto da Fazenda na gestão de Waldery Rodrigues e assessor especial do ministro da Economia, Paulo Guedes. Com a nomeação, um gaúcho volta ao Tesouro pela primeira vez desde a polêmica passagem de Arno Augustin, no governo Dilma.
Dada a passagem heterodoxa de Arno Augustin, a volta de um gaúcho ao Tesouro tem alguma cobrança?
Não, principalmente pela minha trajetória. Se fosse indicação política, talvez tivesse. Mas sou funcionário de carreira da casa e tenho um histórico na secretaria. Funcionário público trabalha com diferentes governos. Tirando eventuais brincadeiras, não tem problema. E se o Arno teve esse perfil, há gaúchos que atuaram de forma diferente, como o Aod (Cunha, secretário da Fazenda no governo Yeda), que fez um ajuste forte.
Como está a inclusão do Rio Grande do Sul no Regime de Recuperação Fiscal, que passa pelo Tesouro?
O que sabemos é que falta muito pouco para o Rio Grande do Sul apresentar seu pedido, e vamos tentar responder o mais rapidamente possível. O primeiro passo é apresentar a adequação para aderir à lei complementar 178, que mudou as condições antes previstas pela LC 159. O novo desenho é bastante superior. Um dos grandes motivos da mudança foi o reconhecimento, por parte do ministro Paulo Guedes e da equipe, que o anterior tinha problemas, porque não conseguia reconhecer esforços importantes feitos por Estados como o Rio Grande do Sul. O RRF anterior não permitia que o Estado entrasse. Então, nos foi demando um aprimoramento para corrigir essas distorções. Agora, Estados que fazem seu dever de casa, como o RS, estão habilitados para aderir.
O Estado está fazendo o dever de casa, e era importante ter as ferramentas para reconhecer isso. Agora, temos.
O Estado está fazendo várias privatizações. Isso ajuda no RRF?
Privatização é um dos fatores que ajudam o Estado a aderir ao regime. A reforma da previdência também ajuda o RS, se tudo correr bem, a entrar no RRF. O Estado está fazendo o dever de casa, e era importante ter as ferramentas para reconhecer isso. Agora, temos.
Poderia ser ainda neste ano?
Como o pontapé inicial é do Estado, é difícil traçar um horizonte. Da nossa parte, temos interesse de fazer da forma mais célere possível. Há um passo a passo que é preciso seguir.
O pior momento foi em meados do segundo semestre do ano passado, quando tivemos de honrar alto volume de despesas de combate à pandemia com emissão de dívida.
Como é chegar ao Tesouro sob pressão da dívida? O Brasil já passou pela fase mais difícil na rolagem ou a situação ainda é delicada?
As duas coisas: o pior momento já passou, mas gente ainda tem trabalho duro para fazer daqui para a frente. Posso falar com tranquilidade, embora tenha chegado aqui em maio, porque acompanhamos esse trabalho. O pior momento foi em meados do segundo semestre do ano passado, quando tivemos de honrar alto volume de despesas de combate à pandemia com emissão de dívida. Em 2020, houve uma combinação que estressou muito a gestão da dívida: no primeiro semestre, momentos difíceis para emissão, no segundo, gasto elevado. Houve necessidade de recompor reservas de rolagem de dívida. A equipe que estava e continua aqui fez um excelente trabalho. Recompôs consideravelmente o caixa da dívida (reserva para pagar os compromissos) até o início do ano. Outros fatores ajudaram, como o cronograma de devolução de operações de crédito feitas até 2014 com instituições financeiras federais, com BNDES, Caixa e Banco do Brasil. Só o BNDES devolveu R$ 100 bilhões. Quando esses recursos retornam, aumentam o colchão de liquidez da dívida. A aprovação da emenda constitucional 109 liberou R$ 140 bilhões para aplicação na dívida pública de recursos de superávit de fundos públicos que estavam empoçados há anos. Só esse dois movimentos permitiram recompor o caixa da dívida em mais de R$ 240 bilhões. Mas continuamos a ter necessidade de rolagem muito maior, porque precisamos nos endividar muito durante a pandemia.
Qual é o tamanho da rolagem mensal agora, e quanto era antes da pandemia?
Agora, está entre R$ 140 bilhões e R$ 150 bilhões. Antes da pandemia, era de R$ 80 bilhões a R$ 90 bilhões, em grandes números. É um desafio do Tesouro, mas também de todo o país aliviar a dívida, que tem impacto na poupança privada, na taxa de juro.
A maneira como o Brasil enfrentou a crise do ponto de vista fiscal está dando conforto para os agentes de que não saímos da linha da consolidação fiscal.
Quanto o aumento do juro básico complica a gestão da dívida, que tem grande parte indexada pela Selic?
Sobre o nível de juro a gente não fala muito, porque é responsabilidade do Banco Central. A maneira como o Brasil enfrentou a crise do ponto de vista fiscal está dando conforto para os agentes de que não saímos da linha da consolidação fiscal. Isso tem ajudado na retomada do crescimento, que se reflete na melhora das contas públicas. Saltamos de relação de dívida/PIB de menos de 76% para quase 90% na pandemia. E o BC começou a subir juro, em cima de uma dívida muito maior, uma questão muito séria para enfrentar. A percepção de que o enfrentamento da pandemia foi feito com despesas recorrentes cumprindo as regras fiscais e apenas as extraordinárias fora do teto e da meta fez com que, mesmo com o início do ciclo de aperto monetário, não houvesse piora na percepção da solvência do Brasil. O CDS (Credit Default Swaps, espécie de seguro contra calote) de cinco anos, por exemplo, caiu cinco pontos básicos. Claro que teve ajuda do setor externo, mas o mercado está percebendo que o aumento de juro não coloca em risco a solvência de longo prazo do país.
E afinal, a dívida não vai chegar a 100% do PIB, como se temia?
No início do ano, projetávamos a dívida bruta na casa de 87% do PIB, mas há estimativas, como a do Mansueto (de Almeida, atual economista-chefe do BTG Pactual e secretário do Tesouro até julho de 2020) de que pode ficar em 85% ou até abaixo. Avaliamos que é possível fechar o ano com dívida na casa de 85%. É um conforto continuar na estratégia de consolidação fiscal partindo de 85%, não de 100%, como muita gente especulou. No início da pandemia, muita gente errou muito sobre muitas coisas, era o PIB que cairia 10%, a dívida chegaria a 100% do PIB, e a gente ficou longe dessas previsões mais extremas.
Esse cenário permite descomprimir o orçamento?
Agora temos uma tecnicalidade nova, que é o bloqueio. O contingenciamento é feito para cumprir a meta de resultado primário. A deste ano está bem encaminhada, tem até uma sobra. A partir deste ano, há possibilidade de bloquear dotações orçamentárias caso haja risco de insuficiência de recursos para cumprir as despesas obrigatórias. Alguns gastos, cerca de R$ 9 bilhões, foram bloqueados. Na primeira avaliação, há uma semana, a gente chegou à conclusão de que o espaço de desbloqueio pode chegar a ter até R$ 4,8 bilhões. Isso não depende de arrecadação, como o descontingenciamento, porque não adianta ter receita, está ligado ao teto de gastos. Precisa de alívio na área de despesas.
O que seria desbloqueado?
Ainda não se sabe. Assim que o procedimento for definido, porque é um instrumento novo, de 2021, será feito o passo a passo, e a decisão será tomada pela Junta de Execução Orçamentária, que reúne os ministérios da Casa Civil e da Economia.
Essa novidade do orçamento de 2021 teria sido obra dos "macacos da nave que pousou em Marte", como disse o ministro Guedes?
Não, é fruto de muito esforço nosso, de racionalização das despesas, de encontrar ineficiências, de fazer cortes adicionais nas despesas obrigatórias para encontrar espaço. Minha avaliação é de que este ano será o de despesas discricionárias mais apertadas que teremos. Vai ser o maior desafio para consolidação fiscal, para tocar a máquina com os recursos que temos. Foi um excelente momento para chegar.
No próximo ano, a inflação vai permitir o teto um pouco mais alto?
Sim, o descasamento da inflação dá para rir e dá para chorar. Fez chorar em 2021. Será o ano mais difícil porque a inflação que corrigiu o teto foi de 2,1% (período considerado é de 12 meses até julho de 2020, e a aceleração ocorreu no segundo semestre), e a que corrigiu as despesas foi de 5% (o IPCA dos 12 meses de 2020). Isso comprimiu as despesas discricionárias. No próximo, deve haver uma inflação maior corrigindo o teto, e uma mais comportada nas despesas.
Como caiu a expressão "macacos em Marte" na equipe?
É, o ministro tem essas tiradas. Ele tem os seus bordões, e são imagens úteis para discutir e materializar o que ele está falando.
O ministro deu outra declaração forte, dizendo que a Economia iria "para o ataque" na eleição, o que foi lido como flerte com o populismo fiscal. Existe esse risco?
Depois até ele explicou, mas a gente nunca teve dúvida sobre o que ele quis dizer. Em 2019, ficamos muito focados na reforma da previdência, não tinha muito espaço para discutir outros temas. Em 2020, fomos reativos, por causa da pandemia. A ideia de "ir para o ataque" significa que vamos ser propositivos, proativos. A gente conseguiu sair das cordas da pandemia e estamos propondo, como a reforma administrativa, a tributária.
O que permite projetar que o Brasil volte a ter superávit primário em 2024/2025?
Estávamos com cenário de que o superávit voltaria entre 2026/2027, baseado na projeção de que a dívida chegaria a 87% do PIB neste ano. Estamos revisando esses parâmetros, temos uma taxa de crescimento maior, câmbio em patamar, inflação também. Essas variáveis, quando entram em modelos de projeção, nos colocam em trajetória melhor. O mesmo efeito que fez mudar a projeção de dívida inclui aumento de arrecadação que, com o teto sendo cumprido, sair de déficit para superávit agora para 2024/2025. Não só nós estamos fazendo, o mercado também.
Esse cenário inclui as novas projeções de crescimento do PIB de 5%?
Nossa projeção é bem mais modesta, de 3,5%. Tem um certo atraso, porque depende de novos parâmetros passarem por todos os ministérios, depois a gente faz o relatório. Mas embora isso não esteja refletido nas nossa projeções oficiais, a gente não acha absurdamente otimista um crescimento superior a 4,5%.