Em abril de 2020, quando a coluna entrevistou Daniel Castanho como líder do #NãoDemita, um dos temas da conversa foi o fato de a Ânima Educacional não ter atividades no Rio Grande do Sul. Pouco mais de um ano e muitas reviravoltas depois, UniRitter e Fadergs passaram a integrar essa rede de Ensino Superior, conforme apresentação realizada na sexta-feira (14). É resultado da venda das operações da americana Laureate, que chegou a ser contratada com a Ser Educacional do empresário José Janguiê Diniz. Castanho, presidente do conselho de administração e acionista com maior fatia da Ânima, assegura que nunca houve intenção de vender as duas instituições gaúchas. Nesta entrevista, também explica parte do vaivém do negócio de R$ 4,4 bilhões que inclui 47 campi em sete Estados e mais de 500 centros de ensino à distância (EaD).
Quando UniRitter e Fadergs passam a integrar a Ânima?
Isso é uma maluquice. Era para ser na sexta-feira (14). Para explicar, o Cade aprovou o negócio há 15 dias, mas publicou oficialmente na quarta à noite. Está fechado e aprovado, agora é entre nós e a Laureate. Estamos nos acertos finais para o contrato, fazendo os ajustes financeiros finais. Por decisão da Laureate, o pagamento será no dia 28, mas estamos fazendo a conversa com os times. No dia 28, é o TED (referência à transferência bancária). É um dia D no gerúndio, digamos.
Como será a integração das unidades?
Tenho uma palestra, no dia 20, para todos os professores da Laureate sobre o futuro da educação, para que conheçam nosso modelo de pensar, para que estejam integrados. Nesse período, tivemos conversas com líderes, fizemos um processo bem detalhado, contratamos a Heidrick & Struggles (consultoria americana focada em liderança empresarial), que avaliou 94 líderes sem saber quais eram da Ânima ou da Laureate. para ver os perfis e definir quem fica e quem sai. Depois, mais 338 pessoas foram avaliadas para ver no que cada um é melhor, quem deve ficar em cada lugar para que tenhamos um dream team. A integração também teve ajuda da McKinsey, focado em plano-mestre, cultura e valor. Foram mais de 700 projetos. Estamos prontos para a integração. Já havíamos feito outras integrações e reestruturações, mas essa é mais parruda, são várias grandes instituições. Levamos cinco meses trabalhando nisso, vai ser o estado da arte na integração.
Quando a Laureate comprou a Ritter, fiquei 48 horas sem dormir (...). Tenho uma admiração pelas duas instituições que você não tem ideia. Era uma paixão anterior, platônica, não ia abrir mão.
Por que houve tantas reviravoltas com as duas universidades gaúchas?
Na nossa visão, a gente estava negociando com a Laureate. Quando a Ser anunciou a compra, com a cláusula de "go shop" (que permitia à vendedora buscar proposta melhor), vimos que seria difícil para os americanos aceitarem e fizemos uma nova proposta. A Ser tinha 15 dias para cobrir. Em vez disso, resolveu questionar na Justiça, tentando algum acordo. O que aceitamos foi, em vez de pagar multa (pela quebra do primeiro contrato), repassar duas instituições que ficam no quintal da Ser, em Pernambuco e Paraíba. Depois, a Ser também queria comprar outras, mas não estavam à venda. Colocamos um valor para a opção que sabíamos que eles não iriam exercer. Nunca tivemos intenção de vender nem a Ritter nem a Fadergs. Quando a Laureate comprou a Ritter, fiquei 48 horas sem dormir, porque teria adorado fechar aquele negócio. Tenho uma admiração pelas duas instituições que você não tem ideia. Era uma paixão anterior, platônica, não ia abrir mão. O Rio Grande do Sul é um Estado sempre à frente em diversas áreas. É conservador para algumas coisas, mas ético. com princípios. A Ânima é muito ética, com princípios e valores. Posso estar enganado, mas tenho um sentimento de que vai ser muito bem-vinda. A gente nunca acreditou que a Ritter e a Fadergs não seriam da Ânima. Esse foi um sonho, antes frustrado e agora realizado.
O que muda em termos de projeto pedagógico?
Ritter e Fadergs são reconhecidas. A Laureate tem como base o professor como artífice da qualidade acadêmica. Na Ânima, também é assim. Em outras instituições, não. O conteúdo é que é importante, como nas décadas de 1980, 1990, na lógica do telecurso de segundo grau: entrega conteúdo, faz prova e entrega certificado. Esse é um modelo obsoleto. A Ânima tem flexibilidade maior de currículo, deve haver maior integração. A Ânima não é um sistema de ensino, é um ecossistema de aprendizagem. O aluno de Engenharia, Administração, Direito da Ritter vai ter acesso a professores de São Paulo, Belo Horizonte, Bahia. E alunos de fora do Rio Grande do Sul terão o privilégio do acesso aos professores incríveis da Fadergs e da Ritter. Hoje, os professores têm acesso a vagas de trabalho mais locais, passam a ter acesso no Brasil inteiro. Existe uma integração sempre conversada, negociada, em que defendemos sempre o uso da autoridade do argumento em vez do argumento da autoridade.
Na verdade, o que importa agora não é mais se o ensino é presencial ou a distância. Importa se é síncrono ou assíncrono.
Isso significa que a Ânima vai focar em EaD?
No Brasil, o EaD ainda é baseado na entrega de conteúdo. Os polos de EaD são um grupo de quatro, cinco salas com internet rápida. O que importa agora não é mais se o ensino é presencial ou a distância. Importa se é síncrono (professores e alunos reunidos ao mesmo tempo) ou assíncrono (alunos tendo acesso a conteúdos no momento mais adequado). Temos uma biblioteca de conteúdos. O momento síncrono é de discussão, provocação, participação, brainstorming (exposição de ideias sem preocupação com sua exatidão). Não faz sentido usar o tempo juntos fazendo algo que cada um poderia fazer sozinho. Falar em presencial e EaD é mindset (modelo mental) antigo. Uma videochamada com poucas pessoas proporciona convívio mais direto do que uma palestra presencial com duas mil pessoas. Temos de pensar qual será o futuro dos polos. Talvez seja tudo o que existe em um campus, menos a sala de aula.
Como viu a declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o Fies e o filho do porteiro?
O problema, na frase, não é "filho do porteiro", é "zerou na prova". Há problemas no Fies. Boa instituição de educação no Brasil é aquela em que entra aluno bom e sai aluno bom. O Fies deveria financiar com mais critério. Antes, todo mundo tinha acesso, o rico e o cara que tirou zero na prova. Financiava quem não precisava ser financiado, mau aluno em instituições que não agregavam nada a ele. O Fies precisa financiar quem precisa: o aluno de baixa renda, o bom aluno, em instituição que agrega. Nesse cenário em que há instituições que agregam muito a poucos e as que não agregam nada a muitos, a Ânima é um grupo que agrega valor a muitos. Nosso propósito é transformar o Brasil pela educação, mas também temos de transformar a educação nesse processo. O impacto que geramos na sociedade é o que aluno aprende no tempo em que ficou conosco. Esse é o valor de uma universidade: impacto gerado na sociedade multiplicado pelo número de alunos. Por isso, hoje somos o grupo que mais impacta. As empresas que vão fazer diferença no mundo são as que têm maior capacidade de se adaptar. Estamos bem preparados para ser protagonistas.