No Brasil, sobreviver a uma recuperação judicial (RJ) é exceção. A Stemac, empresa gaúcha que mudou a produção para Itumbiara (GO), mas mantém no Estado 300 dos cerca de 730 empregos, passou pelo que considera o mais difícil, o primeiro ano. Agora, está com 18 vagas abertas e faz planos para se tornar uma geradora de energia solar, conta nesta entrevista seu vice-presidente-executivo, Valdo Marques.
A Stemac levou sua produção para fora do Rio Grande do Sul mas não conseguiu evitar um pedido de recuperação judicial?
Houve uma coincidência temporal. Em 2011, iniciamos o processo de migração, que completamos em 2014. Em 2015, já rodamos 100% em Itumbiara. Alcançamos faturamento de R$ 1 bilhão. Mas no último trimestre de 2015, houve uma crise de confiança gigantesca, que fez com que os investimentos ficassem com índices negativos. E o segmento em que operamos, de bens de capital, precisam de crescimento. Entre 2016 e 2017, tivemos queda entre 65% e 70%. Não houve um problema específico com o setor, ou a companhia. Foi uma crise macroeconômica, mais forte para alguns negócios. A mudança não foi determinante para isso, porque tivemos um primeiro ano de muita produtividade. A queda nos fez pedir recuperação judicial em abril de 2019 e, em outubro, o plano foi aprovado.
Como está a empresa hoje?
A grande maioria das empresas sucumbe no primeiro ano, quando tem de pagar toda a dívida trabalhista. Nosso primeiro ano foi muito crítico, foi quase arrebatado pela pandemia. Mas, dessa vez, nos pegou com o tema de casa feito. Aproveitamos para fazer uma profunda reestruturação administrativa. O mais importante, quando se entra em recuperação judicial, é diagnosticar por que aconteceu, para agir na causa e não trabalhar no que não vai surtir efeito. A crise de confiança foi determinante na época, mas outras empresas passaram por isso sem pedir ajuda. Então, remodelamos o negócio, mantendo as características que nos diferenciam e nos fizeram líderes.
Quais são?
O grande diferencial, além da qualidade dos nossos grupos geradores, é a proximidade com os clientes. Temos assistência técnica própria em todo o Brasil, com pessoas treinadas nas fábricas. Não usamos representantes ou autorizados. Para nós, o pós-venda é a pré-próxima venda. É isso que o cliente paga. Mas tínhamos mais de 40 filiais físicas, onde o cliente nunca ia, porque que é atendido na empresa. Reduzimos. Mas seguimos com inovação, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento. Como líderes, nunca seguimos, sempre fomos seguidos.
Passamos bem pelo primeiro ano, que é o grande problema. Em 2020, pagamos mais de R$ 20 milhões em dívidas, com recursos gerados pelo caixa da companhia.
A empresa vai sair da recuperação judicial?
Passamos bem pelo primeiro ano, que é o grande problema. Em 2020, pagamos mais de R$ 20 milhões em dívidas, com recursos gerados pelo caixa da companhia. Não houve aumento de capital, nem alavancagem com recursos de terceiros. Conseguimos quitar integralmente a dívida trabalhista. Há alguns retardatários, mas são exceções. Também pagamos todas as dívidas da chamada cláusula Robin Hood, as pequenas, até R$ 10 mil. O passivo tributário está 100% equacionado. Nesta semana, obtivemos o Certificado de Negativa de Débito. Estamos muito contentes com essa performance. O plano, de fato, serviu para uma reestruturação da administração e se mostrou muito assertivo. A partir do segundo ano, temos um fluxo de pagamento que prevê carências, com prazo que se estende até 2033. Mas nenhum terá desembolso tão grande como esse primeiro. Por isso, achamos que o pior já passou.
que a empresa mantém no Rio Grande do Sul?
Mudamos a produção para Goiás, mas ainda temos 300 dos cerca de 730 empregos totais no Rio Grande do Sul. Eu continuo aqui. A administração opera 100% em home office. Toda a gestão, a central de contratos, a engenharia, a contabilidade e a administração de vendas seguem no Estado. Só a operação fabril foi para Goiás. E aqui estamos com 18 vagas abertas na administração, no comercial e na engenharia.
A questão tributária não nos tirou do Rio Grande do Sul. Migrar para o centro do país era uma demanda da operação.
A mudança ocorreu por questões tributárias?
A questão tributária não nos tirou do Rio Grande do Sul. Atender do Oiapoque ao Chuí a partir do Chuí significa logística cara. Migrar para o centro do país era uma demanda da operação. Se aqui houvesse algum programa de incentivo que ajudasse a reduzir custos, talvez ficássemos, mas não há. Olhamos Minas, São Paulo e Goiás, e aí, sim, a questão tributária fez com que decidíssemos por Itumbiara.
E como está o mercado hoje?
Quem empreende precisa de energia. Agro, construção civil, indústria alimentícia, farmácias, hospitais, clínicas têm muita demanda. Não há uma super demanda, mas os setores que vão melhor compensam os que não estão bem. E o investimento em bens de capital não deixa de existir, fica represado. Quando se rompe esse represamento, vem um incremento importante.
Concorrência chinesa é problema?
São grandes parceiros. Eles não conseguem entrar nesse mercado porque os grupos geradores demandam assistência técnica preventiva, não corretiva. São equipamentos que ficam em stand by, mas não podem falhar quando são necessários. Essa é uma barreira de entrada relevante para os chineses.
Pensamos em uma usina de 50 megawatts, não para geração distribuída, mas para colocar no sistema.
O que a Stemac projeta para o futuro?
Temos um projeto ainda embrionário, mas muito relevante, porque torna a visão da companhia mais abrangente. Vamos implantar uma usina fotovoltaica em Itumbiara. Temos uma área de 1 milhão de metros quadrados que tem só 60 mil metros quadrados de área construída. Havia a expectativa de formar um cluster com subfornecedores, mas não conseguimos realizar. Pensamos em uma usina de 50 megawatts, não para geração distribuída, mas para colocar no sistema. Ainda estamos definindo se será no mercado cativo (atendimento pelas concessionárias de distribuição) ou livre (venda para qualquer lugar do país). O Sul de Goiás tem a segunda área de maior insolação no país, só perde para o Rio Grande do Norte.
Já tem investimento definido?
É muito relevante, mas ainda não posso abrir, até porque estamos em fase de cotação com diversos fornecedores.