Mesmo que fosse cogitada, a "bordoada", como a coluna chamou a alta de 0,75 ponto percentual no juro básico, não era a aposta majoritária do mercado. Por isso, a decisão do Banco Central de elevar a taxa de referência de 2% para 2,75% ao ano foi uma surpresa, ainda mais porque desafia os manuais de economia.
O crédito vai ficar mais caro no momento em que o país vive a pior fase da pandemia e enfrenta o risco de volta à recessão técnica, com economistas prevendo quedas no Produto Interno Bruto do primeiro e do segundo trimestres.
Como chegamos a essa situação? O caminho passou pela soberba do ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo populismo do presidente Jair Bolsonaro. Guedes contribuiu com seu reiterado discurso (agora cuidadosamente evitado) de "juro baixo e dólar alto". A pandemia fez essas duas variáveis passarem do ponto. O juro caiu ao mínimo histórico para suavizar a queda na atividade econômica e desestimulou investidores a aplicar no Brasil, porque o risco ficou maior do que o retorno. Isso escasseou os dólares no país e o real se desvalorizou ante a moeda americana.
Bolsonaro transformou o Brasil em uma espécie de pária internacional com a postura equivocada sobre a Amazônia – e a condição foi celebrada pelo ministro das Relações Exteriores. Ao meter o pé na porta da Petrobras, terminou de estampar o carimbo de populista em seu mandato, assustando investidores nacionais e internacionais. Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim, resume assim a situação:
– O comportamento de bolsa, juro e câmbio sugere uma crise de confiança. Depois da frustração com os discursos eleitorais e de dois anos de ruídos na gestão ambiental, sanitária e econômica, há medo persistente de retrocesso. Para que as tensões se reduzam, não é preciso grandes mudanças. Basta entregar melhores resultados nas áreas sanitária e econômica.
Outra tentativa de descrever a nau sem rumo em que se transformou a economia brasileira foi feita por Alvaro Bandeira, economista-chefe do banco digital modalmais (com inicial minúscula):
– As notícias no segmento local são pouco alvissareiras, para tentarmos ser polidos. O que é pior, não são novas. PIB de 2021 mostra desaceleração, com inflação, juro e câmbio em alta, dívida interna crescendo, recorde de óbitos e infecção por covid-19, novas armadilhas por recursos no Congresso Nacional, e presidente que não acerta o discurso.
Outra forma de explicar a falta de perspectivas veio de André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton:
– A situação só não é pior porque o juro baixo não tem respaldo na realidade e pouco pode fazer para de fato animar o tecido econômico. De pouco adianta ter o juro no lugar certo e a economia no lugar errado.
Perfeito ainda lembra que uma elevação no juro básico significa alta no endividamento público, um dos maiores problemas do Brasil. A taxa Selic indexa cerca de 30% dos títulos do governo que representam essa dívida.