O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Em uma tentativa de conter a inflação, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) deve subir, na quarta-feira (17), a taxa básica de juro da economia brasileira. Se confirmada, a alta na Selic será a primeira depois de quase seis anos — a mais recente ocorreu em julho de 2015. Para analisar o cenário, a coluna conversou com o economista João Augusto Salles. Abaixo, leia os principais trechos da entrevista com o estrategista da Senso Corretora, que é especializado no setor financeiro.
Qual é a expectativa para a próxima reunião do Copom?
O Copom deve confirmar, no mínimo, uma alta de 0,50 ponto percentual. Assim, a Selic deve passar de 2% para 2,50% ao ano. O Copom poderia ser até um pouco mais agressivo. É impraticável continuar sustentando uma taxa de 2%, enquanto o IPCA acumulado em 12 meses está em 5,20% (próximo do teto da meta de inflação, de 5,25%).
A inflação acelerou bastante, e temos uma política fiscal muito deteriorada. Além disso, em termos globais, ocorre um movimento de valorização do dólar. O que a gente observa é um início de ano extremamente complicado, complexo para a atividade econômica.
Além da pandemia, o que prejudica o desempenho do país?
O primeiro trimestre já é, por si só, sazonalmente fraco. É um período de pagamento de impostos, de despesas escolares nas famílias. É um trimestre mais fraco. Aliado a isso, houve o intervalo de suspensão do auxílio emergencial neste ano. Criou-se uma lacuna enquanto o auxílio não volta.
A economia pode ganhar tração a partir do segundo semestre. Mas fico cauteloso quando falamos de macroeconomia, porque o Brasil tem complexidades. O primeiro trimestre já era, um abraço, tem sido muito ruim.
Acho que os meses de abril e maio serão dificílimos, e o quadro pode começar a melhorar a partir de junho, julho e agosto. No final de 2020, o boletim Focus (publicação do Banco Central com projeções do mercado financeiro) trazia expectativas de crescimento do PIB de cerca de 3,5% neste ano. A gente pode começar a falar em 2,5%. No máximo.
A possível alta no juro provocará efeitos imediatos?
Vai ser mais uma sinalização para o mercado financeiro, e não tanto para a economia real, digamos. A economia real vem a posteriori. Com a Selic saindo de 2% para 2,5%, vai ter impacto nas vendas do varejo? Vai ter impacto nas vendas de materiais de construção e de casas próprias? Acho que não neste momento.
A questão é a sinalização do Banco Central de que não dá mais para manter o comportamento atual com a inflação elevada, ultrapassando o centro da meta (3,75%). A outra preocupação é a fragilidade fiscal. Se o Banco Central não se mexer, será pior. O dólar dispara. Para minimizar o efeito do dólar e da inflação futura, deve haver uma sinalização de que o Banco Central está alerto, atento. Em termos de economia real, o estrago foi feito pela crise.
O quanto preocupa o aumento da inflação? O choque é momentâneo ou mais duradouro?
Não acho que seja um choque pontual. Existem dois tipos de inflação. Uma é a de demanda (quando a alta procura eleva preços de bens e serviços). Essa, a gente não tem. A outra é a inflação de custos, que a gente tem. O país cruzou 2020 sentindo o impacto da inflação de custos, por causa do aumento das commodities, dos alimentos. A inflação de demanda não existia porque o desemprego já estava alarmante.
Se o Banco Central fincar o pé e deixar a Selic em 2%, vai errar. O dólar pularia para R$ 7. Se mexer no juro, o dólar vai continuar alto, mas não vai explodir. A elevação da Selic não vai reduzir agora a demanda, porque já está ruim.
O que vai impactar e beneficiar a demanda se chama vacinação em massa ou expectativa de que a pandemia vai cair em velocidade considerável. É isso que vai determinar o retorno da atividade econômica. Há um quadro complicadíssimo que caiu no colo do Banco Central. Sem aumento na taxa de juro, o câmbio explode.