Três dias depois da circulação do manifesto que defende avaliação da "necessidade de adotar um lockdown nacional ou regional", o presidente Jair Bolsonaro anunciou a criação de um comitê nacional para coordenar o combate à pandemia. Era uma das quatro propostas formuladas (leia abaixo).
É o resultado mais imediato da pressão, reforçada pelos líderes do Congresso, para os quais o documento foi enviado, e ainda há expectativa de solução de problemas indiretamente ligados a medidas sanitárias: a substituição dos ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
O documento, que começou a circular no domingo, expôs críticas da elite econômica do país ao enfrentamento da pandemia. Chegou a 1,5 mil assinaturas e reforçou a pressão parlamentar para a mudança de atitude do governo Bolsonaro. Embora não haja expectativa de uma guinada definitiva e responsável – o presidente voltou a falar em "tratamento precoce", depois de uma condenação enfática da Associação Médica Brasileira –, a combinação ajudou a fazer mudanças, ainda que cosméticas, no discurso.
O próximo alvo das pressões econômicas, empresariais e parlamentares é a substituição de Salles e Araújo. Necessitado de ajuda externa, tanto para destravar a compra e a entrega de vacinas quanto para obter medicamentos que começam a faltar nos hospitais, o Brasil precisa de uma mudança drástica na imagem externa. Por isso, precisa mandar uma mensagem ao Exterior removendo o símbolo do descaso ambiental, Salles, e substituindo um ministro considerado inapto, como Araújo, por um diplomata que conserte relações esgarçadas.
Fontes de países aos quais o governo Bolsonaro recorreu confirmam o pedido de apoio para a aquisição tanto de vacinas quanto de medicamentos, e, mesmo falando de forma reservada, usam linguagem diplomática: dizem que a situação da pandemia no Brasil virou assunto para monitoramento contínuo, inclusive para medidas de socorro. O diagnóstico é de que o Brasil está em "fase perigosa".
Mas destacam que, em seus países de origem, a vacina é "parte significativa" do combate ao coronavírus, mas não a única, no esforço de "proteger cidadãos e reduzir mortes e infecções". Conforme a expectativa de parceiros internacionais relevantes para o Brasil, há expectativa de que os novos contratos (a compra de doses da Pfizer e da Janssen) e o "enfoque nas medidas preventivas" contribuam para melhorar a situação. Um ministro do Meio Ambiente com reconhecido compromisso de preservação e um chanceler hábil ajudariam muito a obter a ajuda necessária e urgente.
AS QUADRO MEDIDAS PROPOSTAS NO DOCUMENTO
1. Acelerar o ritmo da vacinação. O maior gargalo para aumentar o ritmo da vacinação é a escassez de vacinas disponíveis. Deve-se, portanto, aumentar a oferta de vacinas de forma urgente. A estratégia de depender da capacidade de produção local limitou a disponibilidade de doses ante a alternativa de pré-contratar doses prontas, como fez o Chile e outros países. Perdeu-se um tempo precioso e a assinatura de novos contratos agora não garante oferta de vacinas em prazo curto. É imperativo negociar com todos os laboratórios que dispõem de vacinas já aprovadas por agências de vigilância internacionais relevantes e buscar antecipação de entrega do maior número possível de doses. Tendo em vista a escassez de oferta no mercado internacional, é fundamental usar a política externa – desidratada de ideologia ou alinhamentos automáticos – para apoiar a obtenção de vacinas, seja nos grandes países produtores seja nos países que têm ou terão excedentes em breve. A vacinação é uma corrida contra o surgimento de novas variantes que podem escapar da imunidade de infecções passadas e de vacinas antigas. As novas variantes surgidas no Brasil tornam o controle da pandemia mais desafiador, dada a maior transmissibilidade. Com o descontrole da pandemia é questão de tempo até emergirem novas variantes. O Brasil precisa ampliar suas capacidades de sequenciamento genômico em tempo real, de compartilhar dados com a comunidade internacional e de testar a eficácia das vacinas contra outras variantes com máxima agilidade. Falhas e atrasos nesse processo podem colocar em risco toda a população brasileira, e também de outros países.
2. Incentivar o uso de máscaras tanto com distribuição gratuita quanto com orientação educativa. Economistas estimaram que se os Estados Unidos tivessem adotado regras de uso de máscaras no início da pandemia poderiam ter reduzido de forma expressiva o número de óbitos. Mesmo se um usuário de máscara for infectado pelo vírus, a máscara pode reduzir a gravidade dos sintomas, pois reduz a carga viral inicial que o usuário é exposto.22 Países da União Europeia e os Estados Unidos passaram a recomendar o uso de máscaras mais eficientes – máscaras cirúrgicas e padrão PFF2/N95 – como resposta às novas variantes. O Brasil poderia fazer o mesmo, distribuindo máscaras melhores à população de baixa renda, explicando a importância do seu uso na prevenção da transmissão da Covid. Máscaras com filtragem adequada têm preços a partir de R$ 3 a unidade. A distribuição gratuita direcionada para pessoas sem condições de comprá-las, acompanhada de instrução correta de reuso, teria um baixo custo frente aos benefícios de contenção da Covid-1923. Considerando o público do auxílio emergencial, de 68 milhões de pessoas, por exemplo, e cinco reusos da máscara, tal como recomenda o Center for Disease Control do EUA, chegaríamos a um custo mensal de R$ 1 bilhão. Isto é, 2% do gasto estimado mensal com o auxílio emergencial. Embora leis de uso de máscara ajudem, informar corretamente a população e as lideranças darem o exemplo também é importante, e tem impacto na trajetória da epidemia. Inversamente, estudos mostram que mensagens contrárias às medidas de prevenção afetam a sua adoção pela população, levando ao aumento do contágio.
3. Implementar medidas de distanciamento social no âmbito local com coordenação nacional. O termo “distanciamento social” abriga uma série de medidas distintas, que incluem a proibição de aglomeração em locais públicos, o estímulo ao trabalho a distância, o fechamento de estabelecimentos comerciais, esportivos, entre outros, e – no limite – escolas e creches. Cada uma dessas medidas tem impactos sociais e setoriais distintos. A melhor combinação é aquela que maximize os benefícios em termos de redução da transmissão do vírus e minimize seus efeitos econômicos, e depende das características da geografia e da economia de cada região ou cidade. Isso sugere que as decisões quanto a essas medidas devem ser de responsabilidade das autoridades locais.
4. Criar mecanismo de coordenação do combate à pandemia em âmbito nacional – preferencialmente pelo Ministério da Saúde e, na sua ausência, por consórcio de governadores – orientada por uma comissão de cientistas e especialistas, se tornou urgente. Diretrizes nacionais são ainda mais necessárias com a escassez de vacinas e logo a necessidade de definição de grupos prioritários; com as tentativas e erros no distanciamento social; a limitada compreensão por muitos dos pilares da prevenção, particularmente da importância do uso de máscara, e outras medidas no âmbito do relacionamento social. Na ausência de coordenação federal, é essencial a concertação entre os entes subnacionais, consórcio para a compra de vacinas e para a adoção de medidas de supressão.