No domingo, a coluna informou, quase ao mesmo tempo em que a adesão crescia, sobre o manifesto nascido em um grupo de economistas sustentando que "a necessidade de adotar um lockdown nacional ou regional deveria ser avaliada" (leia íntegra no final da nota).
O documento já foi encaminhado pela via oficiais ao Supremo Tribunal Federal (STF), à Câmara dos Deputados e ao Senado e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, com assinaturas de boa parte da elite econômica do país: quatro ex-ministros da Fazenda – Maílson da Nóbrega, Marcílio Marques Moreira, Pedro Malan e Rubens Ricupero –, sete ex-presidentes do Banco Central – Affonso Celso Pastore, Armínio Fraga, Edmar Bacha, Gustavo Franco, Ilan Goldfajn, Gustavo Loyola e Persio Arida –, além de empresários do porte de Horácio Lafer Piva (Klabin), Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal (ambos acionistas do Itaú Unibanco) e Pedro Passos (Natura).
Além dos nomes mais estrelados, o que chama atenção é a diversidade de posições entre economistas que chancelam as propostas, ilustrada por duas mulheres, Elena Landau, que cobra privatizações de verdade, e Laura Carvalho, que defende maior (e melhor) presença do Estado na organização da economia.
O sujeito oculto do manifesto é o presidente da República, Jair Bolsonaro. O texto é respeitoso, sequer menciona o nome de seu alvo, e faz críticas às ações, não à pessoa. Esse é um dos motivos pelos quais conquistou apoio com peso no PIB. O outro é a fadiga com o estilo Bolsonaro de governar, que aparece com clareza neste trecho do documento:
"O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração, e o flerte com o movimento antivacina, caracterizou a liderança política maior no país. Essa postura reforça normas antissociais, dificulta a adesão da população a comportamentos responsáveis, amplia o número de infectados e de óbitos, aumenta custos que o país incorre."
Não por acaso, o manifesto surgiu no final da semana em que Bolsonaro oficializou uma troca no Ministério da Saúde, o que fez surgir perspectiva de mudança na forma de combate à pandemia, depois frustrada. Também no final da semana em que o Banco Central foi obrigado a elevar o juro básico, encarecendo o crédito em momento de grande necessidade de investimento. E logo depois que o presidente ameaçou governadores que adotam restrições diante da superlotação das UTIs e do risco de falta de medicação para os doentes de covid-19.
Nas entrelinhas do documento, está um diagnóstico claro: na visão desse grupo influente e poderoso, o governo Bolsonaro se tornou disfuncional. Em vez de coordenar, divide e joga contra o controle da pandemia. Na economia, não avança na pauta desejada – reformas e privatizações – e colhe resultados desoladores, explicitados neste trecho: "a situação econômica e social é desoladora. O PIB encolheu 4,1% em 2020 e provavelmente observaremos uma contração no nível de atividade no primeiro trimestre deste ano. A taxa de desemprego, por volta de 14%, é a mais elevada da série histórica, e subestima o aumento do desemprego, pois a pandemia fez com que muitos trabalhadores deixassem de procurar emprego, levando a uma queda da força de trabalho entre fevereiro e dezembro de 5,5 milhões de pessoas."
O texto não ignora que boa parte dos problemas econômicos foi causada pela covid, mas acentua que o gerenciamento das dificuldades poderia ter suavizado os impactos, em vez de acentuá-los: "esta recessão, assim como suas consequências sociais nefastas, foi causada pela pandemia e não será superada enquanto a pandemia não for controlada por uma atuação competente do governo federal" (destaque da coluna).
AS QUADRO MEDIDAS PROPOSTAS
1. Acelerar o ritmo da vacinação. O maior gargalo para aumentar o ritmo da vacinação é a escassez de vacinas disponíveis. Deve-se, portanto, aumentar a oferta de vacinas de forma urgente. A estratégia de depender da capacidade de produção local limitou a disponibilidade de doses ante a alternativa de pré-contratar doses prontas, como fez o Chile e outros países. Perdeu-se um tempo precioso e a assinatura de novos contratos agora não garante oferta de vacinas em prazo curto. É imperativo negociar com todos os laboratórios que dispõem de vacinas já aprovadas por agências de vigilância internacionais relevantes e buscar antecipação de entrega do maior número possível de doses. Tendo em vista a escassez de oferta no mercado internacional, é fundamental usar a política externa – desidratada de ideologia ou alinhamentos automáticos – para apoiar a obtenção de vacinas, seja nos grandes países produtores seja nos países que têm ou terão excedentes em breve. A vacinação é uma corrida contra o surgimento de novas variantes que podem escapar da imunidade de infecções passadas e de vacinas antigas. As novas variantes surgidas no Brasil tornam o controle da pandemia mais desafiador, dada a maior transmissibilidade. Com o descontrole da pandemia é questão de tempo até emergirem novas variantes. O Brasil precisa ampliar suas capacidades de sequenciamento genômico em tempo real, de compartilhar dados com a comunidade internacional e de testar a eficácia das vacinas contra outras variantes com máxima agilidade. Falhas e atrasos nesse processo podem colocar em risco toda a população brasileira, e também de outros países.
2. Incentivar o uso de máscaras tanto com distribuição gratuita quanto com orientação educativa. Economistas estimaram que se os Estados Unidos tivessem adotado regras de uso de máscaras no início da pandemia poderiam ter reduzido de forma expressiva o número de óbitos. Mesmo se um usuário de máscara for infectado pelo vírus, a máscara pode reduzir a gravidade dos sintomas, pois reduz a carga viral inicial que o usuário é exposto.22 Países da União Europeia e os Estados Unidos passaram a recomendar o uso de máscaras mais eficientes – máscaras cirúrgicas e padrão PFF2/N95 – como resposta às novas variantes. O Brasil poderia fazer o mesmo, distribuindo máscaras melhores à população de baixa renda, explicando a importância do seu uso na prevenção da transmissão da Covid. Máscaras com filtragem adequada têm preços a partir de R$ 3 a unidade. A distribuição gratuita direcionada para pessoas sem condições de comprá-las, acompanhada de instrução correta de reuso, teria um baixo custo frente aos benefícios de contenção da Covid-1923. Considerando o público do auxílio emergencial, de 68 milhões de pessoas, por exemplo, e cinco reusos da máscara, tal como recomenda o Center for Disease Control do EUA, chegaríamos a um custo mensal de R$ 1 bilhão. Isto é, 2% do gasto estimado mensal com o auxílio emergencial. Embora leis de uso de máscara ajudem, informar corretamente a população e as lideranças darem o exemplo também é importante, e tem impacto na trajetória da epidemia. Inversamente, estudos mostram que mensagens contrárias às medidas de prevenção afetam a sua adoção pela população, levando ao aumento do contágio.
3. Implementar medidas de distanciamento social no âmbito local com coordenação nacional. O termo “distanciamento social” abriga uma série de medidas distintas, que incluem a proibição de aglomeração em locais públicos, o estímulo ao trabalho a distância, o fechamento de estabelecimentos comerciais, esportivos, entre outros, e – no limite – escolas e creches. Cada uma dessas medidas tem impactos sociais e setoriais distintos. A melhor combinação é aquela que maximize os benefícios em termos de redução da transmissão do vírus e minimize seus efeitos econômicos, e depende das características da geografia e da economia de cada região ou cidade. Isso sugere que as decisões quanto a essas medidas devem ser de responsabilidade das autoridades locais.
4. Criar mecanismo de coordenação do combate à pandemia em âmbito nacional – preferencialmente pelo Ministério da Saúde e, na sua ausência, por consórcio de governadores – orientada por uma comissão de cientistas e especialistas, se tornou urgente. Diretrizes nacionais são ainda mais necessárias com a escassez de vacinas e logo a necessidade de definição de grupos prioritários; com as tentativas e erros no distanciamento social; a limitada compreensão por muitos dos pilares da prevenção, particularmente da importância do uso de máscara, e outras medidas no âmbito do relacionamento social. Na ausência de coordenação federal, é essencial a concertação entre os entes subnacionais, consórcio para a compra de vacinas e para a adoção de medidas de supressão.