A reunião da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, nesta quarta-feira, foi uma das mais tensas da história. Realizada por videoconferência, durou quase cinco horas e expôs, de forma crua, o retrato do colapso, com uma conclusão assustadora: o que já é ruim, pode piorar.
Para mostrar a gravidade da situação, o presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Rio Grande do Sul, Luciney Bohrer, convidou dirigentes de instituições de todas as regiões do Estado para darem seu depoimento. Desse mosaico resultou um quadro alarmante: superlotados, hospitais de diferentes portes temem suspender os atendimentos de pacientes graves da covid-19 por falta medicamentos, sobretudo anestésicos e relaxantes musculares usados na entubação.
Os hospitais filantrópicos respondem por mais de 50% dos leitos de UTI covid e precisaram, nos últimos dias, ampliar o atendimento, mesmo sem condições adequadas. O relato de Luciney é um resumo dos problemas enfrentados por quase todos os gestores que se manifestaram:
— Estamos trabalhando além dos nossos limites. Temos pacientes entubados nas emergências e corremos o risco de suspender atendimentos por falta de medicamentos. Além da explosão dos preços, existe falta no mercado. Não temos segurança no abastecimento de oxigênio, principalmente no caso dos hospitais que dependem de cilindros. Todos os dias estamos perdendo profissionais que entram em licença por causa da covid ou por problemas psíquicos, decorrentes do estresse. Logo, teremos o caos total no sistema hospitalar, não só pelo volume de atendimentos, mas pela dificuldade financeira. Já não temos dinheiro, nossos custos aumentam de forma exorbitante e algumas distribuidoras de medicamentos exigem pagamento antecipado.
O depoimento mais comovente foi o de Clóvis Soares, falando pelo Divina Providência, que administra cinco hospitais — dois em Porto Alegre, um em Estrela, um em Progresso e um em Arroio do Meio. Esses hospitais somam 640 leitos, sendo 131 de UTI e 218 clínicos para pacientes covid.
— Triplicamos nossa capacidade e ainda assim não conseguimos atender à demanda. Mesmo quando conseguimos equipamentos, temos dificuldade de pessoal. Aumentamos a carga horária dos médicos, estressamos a equipe, mas não conseguimos dar conta — disse, com voz embargada.
Em seguida, chorou emocionado e continuou em tom de desabafo:
"As vagas que se abrem não são por melhora, são por óbitos. Nos últimos dias, de cada quatro vagas que abriam, três eram por óbito. Agora estamos 50 a 50. Está um caos".
CLÓVIS SOARES
Diretor do Divina Providência
— Precisamos de ventiladores. Todo dia tem paciente esperando vaga no ventilador. Está morrendo paciente porque não chega ao ventilador. As vagas que se abrem não são por melhora, são por óbitos. Nos últimos dias, de cada quatro vagas que abriam, três eram por óbito. Agora estamos 50 a 50. Está um caos. Parece que nós estamos sozinhos. Só a gente está enxergando esse caos. A gente está vendo as pessoas morrerem. Nossas equipes estão sobrecarregadas. Qual é a conta que vamos pagar ali adiante?
Após uma pausa para respirar, Clóvis continuou, ainda com a voz embargada:
— Está nos assombrando a falta de medicamentos. Temos na rede um consumo de 700 a 800 ampolas de rocurônio (anestésico usado na entubação) e o estoque dá para três ou quatro dias. Acionamos os fornecedores e não nos dão retorno. Não sabemos se vão fornecer ou não, se dali a três dias vai faltar medicamento. Eu sinto muito pela minha emoção, mas eu acho que não dá mais. Estou vendo a sociedade se movimentar para voltar a circular e não entendo. Estamos vendo as pessoas morrerem. Famílias indignadas porque não conseguem atendimento. Ontem perdemos um paciente de 32 anos que não precisaria morrer se tivéssemos condições, estrutura. Os hospitais estão fazendo a sua parte, duplicando, triplicando a capacidade, cancelando férias. Não vamos dar conta. Essa conta não é dos hospitais, é de quem toma as decisões. Quantas pessoas nós vamos ver morrer? E essa conta para os nossos funcionários? Precisamos de ajuda na questão dos medicamentos. Se não conseguirmos repor os estoques, nós vamos parar na sexta-feira.
Os depoimentos se sucederam, todos no mesmo tom de apreensão, com relatos semelhantes de Santa Cruz do Sul, Sapiranga, Cachoeira do Sul, Encruzilhada do Sul, entre outros.
"Estamos fazendo uma gestão de alto estresse em todas as áreas. A gente não tem férias, não tem noites, não tem sábados, não tem domingos."
VANDERLI DE BARROS
Diretora-geral do Hospital Vida e Saúde de Santa Rosa
A diretora-geral do Hospital Vida e Saúde de Santa Rosa, Vanderli de Barros resumiu assim a situação:
— Estamos passando por um momento muito, muito difícil, que atinge todos os hospitais. Pequenos, médios e grandes. Toda a nossa infraestrutura está destinada a pacientes covid. Consumo exagerado de medicamentos, aumento exagerado de preços, agravado pela dificuldade de fornecimento, principalmente de relaxante muscular e anestésicos. Quem não tem tanque de oxigênio encontra dificuldade para comprar cilindros. Mesmo os pequenos, que não têm UTI, estão recebendo pacientes graves e precisam de respirador, de oxigênio, de sedativos.
Vanderli reclamou dos preços abusivos dos medicamentos e insumos. E exemplificou: uma caixa de luvas com 100 unidades, que há um ano custava R$ 13,92, hoje está em R$ 79,87. O midazolam, anestésico usado na entubação, passou de R$ R$ 2,50 a ampola para R$ 20,24.
E continuou:
— Estamos fazendo uma gestão de alto estresse em todas as áreas. A gente não tem férias, não tem noites, não tem sábados, não tem domingos. Na semana passada tivemos de pedir medicamentos de favor, porque só tínhamos para dois ou três dias.