Um fator ficou fora das complexas equações montadas para tentar entender o resultado da reforma ministerial de Jair Bolsonaro: o orçamento de 2021, aprovado só na semana passada no Congresso.
Especialistas em contas públicas apontam que o resultado embute pedalada e maquiagem, além de despesas extrateto de R$ 31,9 bilhões, valor não relativo ao novo auxílio emergencial, que já garantiu R$ 44 bilhões fora do limite de gastos previsto em lei.
O diagnóstico de consenso sobre o orçamento aprovado na semana passada é de que se trata de "peça de ficção", com despesas obrigatórias menores do que as reais e receita superestimada. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já avisou ao presidente que, da forma como está, o orçamento é "inexequível", ou seja, não pode ser aplicado da forma como foi aprovado. Entre as receitas previstas, está a que seria obtida com a privatização da Eletrobras, ainda sequer aprovada pelo próprio Congresso.
Um dos problemas é a redução estimada em R$ 43 bilhões nos recursos previstos para despesas obrigatórias – Previdência, seguro-desemprego, abono salarial e Pronaf –, para elevar os destinados a emendas parlamentares focadas em obras públicas. O aumento foi negociado entre o Centrão, novo avalista de Jair Bolsonaro, e o antigo, o ministro da Economia, Paulo Guedes. Mas agora a equipe de Guedes afirma que o Centrão passou do ponto, e o orçamento ainda é problema grave para a sustentabilidade do governo mesmo depois da dança de seis cadeiras promovida na segunda-feira (30).
Em live realizada pelo jornal Valor Econômico na manhã desta terça-feira (30), o ex-secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, resumiu assim a ópera: as despesas obrigatórias ficaram muito abaixo das previstas pela equipe econômica em relatório apresentado uma semana antes da aprovação do orçamento, o que é um problema. E outro é que, se o valor correto for admitido, o pagamento estoura o teto de gastos.
– Uma das peças mais importantes da democracia é o orçamento, que define o quanto o governo vai tributar e como vai alocar os recursos que arrecadou. Se não é feito de forma transparente, todo o resto é colocado em dúvida pela sociedade. Esse episódio precisa ser corrigido rapidamente – disse Mansueto, que comparou a manobra à maquiagem da inflação cometida anos atrás pela Argentina.
Carlos Kawall, também ex-secretário do Tesouro, foi mais longe:
– O que salta aos olhos é o desprezo que o Congresso, com a aparente conivência do governo, tem pela situação do país, que vive uma terrível pandemia, uma situação econômica dramática, e a prioridade é o gasto político-eleitoral, ao arrepio das normas constitucionais e legais.
Uma das soluções seria transformar o valor de R$ 50 bilhões reservado para emendas parlamentares em recursos para o custeio dos ministérios, para evitar o que os especialistas chamam de "shutdown" (fechamento), o que significa que o governo precisaria abrir mão de serviços para ficar dentro da previsão orçamentária de despesas obrigatórias. Caso sancione o orçamento como está, dizem os especialistas, Bolsonaro vai "pedalar", como fez a ex-presidente Dilma Rousseff, o que foi usado como justificativa para seu impeachment.
Manobras semelhantes a essas já foram tentadas em anos anteriores e foram barradas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), agora já acionado por parlamentares, entre os quais o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Se sancionar o orçamento como está, Bolsonaro incorre em risco de crime de responsabilidade. Se modificar, vai ver o sinal amarelo que presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) acionou em sua direção.