Nem o detalhamento técnico do plano de Jair Bolsonaro de "meter o dedo na energia elétrica" isola o movimento do risco de um grande choque.
A inquietação com uma intervenção também na Eletrobras foi atenuada, na segunda-feira de pânico no mercado, mas os riscos de um curto-circuito no setor ainda não estão isolados.
Na tentativa de amenizar a pressão do mercado, o Planalto fez circular a informação de que enviaria ao Congresso uma medida provisória que daria o pontapé inicial na venda das ações da estatal. Como a União, hoje acionista majoritária com 42,57% das ações ordinárias (com direito a voto), não acompanharia o movimento, diluiria sua participação e abriria mão do controle da empresa.
Há controvérsia sobre abrir esse processo por MP, não por projeto de lei, e oferecer ações de uma estatal quando ainda há dúvida sobre uma inflexão intervencionista de Bolsonaro seria pedir para perder dinheiro, mas o fato é que a informação ajudou a conter as perdas nas ações da estatal de energia (sobem cerca de 1% no final da manhã desta terça-feira, 23).
A mira do dedo presidencial não estava na Eletrobras, mas na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável por autorizar reajustes nas contas de luz. No segmento, circula a informação de que a intenção do Planalto seria usar um dos penduricalhos que pesam na tarifa, chamado Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), para amortecer o impacto do aumento estimado em média de 13% neste ano.
Também neste ano, a Aneel pretendia definir como devolver cerca de R$ 50 bilhões pagos a mais pelos consumidores devido à incidência de PIS e Cofins nas contas, considerada indevida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em março de 2017. Para não agravar a crise das distribuidoras, em dificuldades financeiras a exemplo da CEEE-D, pretendia diluir a redução de tarifa em cinco anos. A intenção do Planalto seria acelerar o processo, usando até R$ 20 bilhões da CDE para direcionar às empresas.
O problema é que a Aneel ainda não terminou de devolver às concessionárias R$62,2 bilhões de prejuízos provocados pelo "destarifaço" aplicado pela então presidente Dilma Rousseff em 2013, também para reduzir peso da conta de luz no bolso do consumidor na antessala de uma eleição presidencial. E mais uma dificuldade é que a faísca de boa parte do aumento nas tarifas, além da dívida criada por outra intervenção, é a alta do IGP-M, por sua vez pressionada pelo custo de matérias-primas e pelo câmbio. Seria necessário um fundo inesgotável para dar sustentação à intervenção.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo