A resposta curta para a pergunta do título seria "sim". Mas não seria 100% honesta, nem completa, então vamos aos fatos. Ao mencionar o risco de volta do fenômeno que tirava o sono dos brasileiros nos anos 1980, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não se referia à preocupação de todos ao pagar as contas do mês e à pressão de custos provocada pela pandemia.
Verbalizou a ameaça ao admitir sua frustração com as privatizações. Disse que o Brasil pode "ir para a hiperinflação muito rápido" se não conseguir "rolar a dívida pública satisfatoriamente".
A frase dramática foi interpretada como manifestação de angústia frente ao que espera o Brasil depois da eleição municipal: a definição sobre o Renda Cidadã, programa social que o presidente Jair Bolsonaro quer adotar para favorecer sua reeleição.
No mês passado, a pressão sobre o governo explodiu em uma sucessão de xingamentos cruzados, e a coluna apontou a causa, que segue provocando ansiedade na equipe econômica: depois de muito tempo, está ficando mais difícil e caro renegociar a dívida brasileira. Entre janeiro e abril de 2021, o governo Bolsonaro tem de pagar (ou rolar) R$ 643 bilhões, o dobro da média dos últimos cinco anos. E os credores não estão aceitando comprar títulos com a remuneração atual da Selic, de 2% ao ano.
Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim, afirma que o risco inflacionário subiu rapidamente. Acrescenta que, com o retorno gradual da atividade, há espaço crescente para repasse de custos e recuperação de margens, o que aumenta a atenção para temas como momento e ritmo de aumento do juro básico. Mas como a pressão é provocada pelo descompasso entre oferta e demanda em diversos mercados, avalia que o choque é temporário, apesar de surpreendente.
No entanto, Padovani pondera que o principal risco para a inflação está "no abandono da responsabilidade fiscal". De agosto a outubro, o governo Bolsonaro deu sinais inquietantes sobre seu compromisso com esse tema. Conforme depoimento de interlocutores, Guedes está quase sozinho na defesa do teto de gastos, da regra de outro e de outros dispositivos que freiam a tentação da gastança com foco eleitoral.
Então, sem aprovação de reformas que signifiquem freio na dívida no médio prazo, existe, sim, o risco de o Brasil voltar à hiperinflação. E Guedes menciona o risco falando em privatizações porque recursos obtidos com venda de patrimônio público só podem ser aplicados em abatimento de dívida. Se faltou otimismo a Guedes, Padovani aciona o seu: pondera que, como a disparada da inflação seria "escolha política com custo muito alto, dificilmente irá ocorrer".