A semana, que havia começado em clima de guerra fria digital em torno da definição do fornecedor da tecnologia 5g, escalou para a dimensão sanitária com a intempestiva intervenção presidencial no cancelamento da compra da vacina chinesa para a covid-19.
A decisão sobre a nova vacina produzida pela mesma empresa que fornece várias outras para o Brasil não pode seguir o roteiro da irracionalidade no poder e o raciocínio infantil de apoiadores.
É o segundo episódio envolvendo barreira à China na mesma semana. Bolsonaro também sinalizou que pretende barrar a Huawei na implantação da tecnologia 5G, a quinta de telefonia celular. Ao menos, usa argumentos que faz sentido discutir. A dúvida sobre o comprometimento da empresa com privacidade de dados é comum a mais de um país. No caso da Coronavac, porém, é pura irracionalidade, baseada na disputa política com o governador de São Paulo.
Como o primeiro argumento ao qual Bolsonaro reagiu foi o que de a China é uma ditadura, se isso fizesse sentido o Brasil teria devolver os US$ 24,3 bilhões em compras feitas no país asiático de janeiro a setembro deste ano. Só em produtos relacionados a medicamentos e vacinas, foram US$ 1,3 bilhão no período, com forte aumento no mês passado. Nos primeiros nove meses do ano, o Brasil vendeu aos chineses US$ 53,4 bilhões em produtos nacionais, ou seja, teve ganho de US$ 29,1 bilhões no comércio exterior com o país.
Como a coluna já mostrou, nesse período as compras feitas pela China no Brasil cresceram 14%. Como as dos EUA caíram 31,5%, a fatia chinesa nas exportações brasileiras saltou de 27,6% de janeiro a setembro de 2019 para 34,1% em igual período deste ano. O peso dos americanos decresceu de 13% para 9,7%.
A decisão sobre o 5G, nesta semana, ganhou contornos dignos de complexos romances sobre influências geopolíticas. Na terça-feira (20), os EUA se comprometeram a financiar US$ 1 bilhão em compras brasileiras de tecnologia, para tentar consolidar a proibição da Huawei. O valor empalidece frente aos ganhos do comércio com a China, mas ainda assim há uma cifra a ser considerada.
No caso da barreira à vacina, ainda mais em um governo que faz questão de dizer que a imunização contra a covid-19 não será obrigatória, trata-se apenas de mais um sintoma da irracionalidade no poder.