Fundador da WiseUp e proprietário do clube de futebol Orlando City, Flávio Augusto da Silva mora há 11 anos fora do Brasil, mas boa parte de seus negócios segue aqui. A rede de escolas de inglês tem como sócio Carlos Wizard, que ensaiou uma participação no governo. Na época, Flávio tornou pública sua discordância. Nesta entrevista, detalha as circunstâncias e expressa preocupação com o negacionismo de parte da sociedade brasileira e com a polarização. Durante a conversa por uma ferramenta de vídeo, fez questão de mostrar o tamanho de sua tela: 400 polegadas, formada por oito monitores de 50 polegadas. Conta que vinha ao Brasil a cada 45 dias, mas agora só tem previsão de voltar em janeiro de 2021, para quando imagina que já exista vacina ou medicação eficiente para a covid-19.
Como vê o Brasil enfrentando a pandemia?
A sociedade se dividiu entre quem acha que a prioridade deveria ser a saúde e quem acha que deveria ser a economia. A pandemia não é uma gripezinha, mas os problemas econômicos também não são gripezinhas. O impacto econômico está apenas começando, e o efeito pode ter o tamanho de uma crise humanitária. O pior momento da economia será daqui para a frente. Imagine que a situação perdure até janeiro. São mais seis meses, e vamos para um total de nove meses parados.
O mais provável não é que os negócios funcionem nesse período, ao menos em intervalos?
O abre e fecha é pior do que ficar só fechado. Gasta dinheiro para abrir e também para fechar. Ao menos, o custo de ficar fechado é menor.
Então não o surpreendeu com a queda no PIB de 9,1% projetada pelo FMI?
A minha projeção, há três meses, era de 8,5%. Agora, estou quase perto de rever, e pode passar de 10%. Balizo em situações comparáveis. A recessão que se seguiu ao governo Dilma teve acima de 3% com a economia funcionando normalmente. O que dizer de um período com a economia parada no planeta inteiro? Posso ser muito otimista ao falar de 8,5%. O fato é que ninguém sabe com certeza. O desemprego pode atingir 40 milhões, já que foi de 13 milhões na recessão do governo Dilma.
Esse é um número que já existe nos EUA, mas no Brasil, com a legislação existente, pode ocorrer?
A CLT não consegue segurar. Quando as empresas quebram, não pagam nem rescisão. Estamos há três meses parados, nossos cursos livres estão parados.
Em cidades onde temos escolas, prefeitos já fizeram decretos para abrir, mas estamos esperando, até para ver se não volta atrás.
Não está aumentando a demanda por cursos online?
Sim, o online está bombando. Temos dois produtos diferentes, um que é como restaurante, que parou, e outro que é como delivery, que explodiu. Em cidades onde temos escolas, prefeitos já fizeram decretos para abrir, mas estamos esperando, até para ver se não volta atrás. E fizemos pesquisa com alunos para ver se dá para abrir.
Qual o resultado?
Fizemos em cinco cidades. Em uma, 70% do total queria voltar, 30% não. Em outra, 55% disse 'sim', 45%, 'não'. O problema é que as pessoas não se sentem seguras. Preferem não voltar. Não adianta decreto para abrir se as pessoas não se sentem seguras. As vendas de cursos online se multiplicaram por 20. A empresa vai faturar mais do que no ano passado. Não estou reclamando. Entramos na quarentena com 600 franqueados, 10 mil funcionários, 420 unidades físicas. A maioria vai sobreviver, porque nos preparamos, antecipamos comissões para injetar caixa na nossa rede. Nosso lema é 'espere o melhor, prepare-se para o pior'. Minha definição de otimismo é essa. Não dá para ficar dizendo 'vai dar tudo certo'. Não vai. Na vida, sempre há um imprevisto. Por isso exige resiliência, resistência emocional, capacidade de lidar com frustrações.
A origem do problema é a pandemia ou sua gestão?
A pandemia é uma catástrofe. É assim que trato. E há outra catástrofe na economia. É como se tivéssemos um terremoto e um tsunami. Para agravar, tem o bate-cabeça dos políticos. Há disputa de ego, politização de comprimidos, máscaras. Também há uma guerra de informação, também nos meios de comunicação, e um país dividido ao meio.
Os nervos estão à flor da pele e a população, no meio disso, sente a pressão financeira, tem medo de sair de casa e não sabe em quem acreditar.
Vê os meios de comunicação como parte da guerra?
Existe uma briga em que os dois lados estão ressentidos. Não estou criticando, nem condenando, estou fazendo uma descrição do que vejo. Os nervos estão à flor da pele e a população, no meio disso, sente a pressão financeira, tem medo de sair de casa e não sabe em quem acreditar.
Tem conserto?
Tem, mas leva tempo. A situação só será amenizada quando surgir uma vacina ou um tratamento efetivo. Só então as pessoas e o mercado vão ficar mais tranquilos. A questão política vai levar muito tempo. Depois de governos majoritariamente de esquerda, é natural a direita que surge.
Mas faz sentido defender golpe e elogiar ditadura?
Não faz sentido falar em voltar a 1964, quero discutir 2050. A pressão econômica deixa as pessoas mais irritadas e ainda temos declarações ruins de políticos.
Talvez a humanidade tenha de se voltar para outros propósitos, até por defesa. Não é pessimismo, é constatação. Não se pode confundir otimismo com negação.
E como se resolve?
Talvez em janeiro comece a voltar. Mas só se surgir tratamento. Para ter 7 bilhões de doses de vacina vai levar dois, três anos. Essa conta do coronavírus leva três ou quatro anos para superar, isso se não aparecer nuvem de gafanhotos no meio. Também teremos uma conta emocional para pagar. Ansiedade e depressão já estavam explodindo antes. Quando falamos em nos reinventar, talvez precise ser mais profundo. Talvez a humanidade tenha de se voltar para outros propósitos, até por defesa. Não é pessimismo, é constatação. Não se pode confundir otimismo com negação.
Vê negação no Brasil?
Sim, muita. Dizer que é uma gripe é negação. Dizer que tem de cuidar da saúde, porque a economia vem depois é negação. O que favoreceu esse quadro foi a polarização política, que se alimenta de pensamento binário. Se defende quarentena, é comunista. Se está preocupado com a economia, é genocida. O mundo não é binário. A pandemia é tão complexa que envolve saúde, economia, saúde, geopolítica, aspectos emocionais. Isso veio dos dois lados, foi alimentado por todos.
A vida não é só saúde nem só economia.Só não se pode negar a gravidade da pandemia.
Há saída possível?
O ideal seria fazer uma análise nem tão emocional, nem tão utilitarista. Não é que eu defenda o modelo da Suécia, mas eles fizeram um acordo para definir o que ficaria aberto, a população concordou. A vida não é só saúde nem só economia.Só não se pode negar a gravidade da pandemia.
Não houve falha em fazer o crédito chegar às empresas, para que não quebrem?
Crédito depende de capacidade logística, também de prioridade governamental. Nos EUA, o governo emprestou o suficiente para três meses de folha de pagamento de pequenas empresas. Se não demitirem ninguém nesse intervalo, não precisam pagar o financiamento. Qual é a conta? Cerca de 70% dos empregos está nas pequenas empresas. Se metade fechar, haverá mais custo para o governo, É mais barato dar dinheiro. No Brasil, linhas foram criadas, mas o crédito não chega. Há muitas exigências. Se muitas empresas quebrarem, só a perda de imposto é uma conta alta. O Estado brasileiro é um elefante lento. Em três meses de pandemia, só pega empréstimo quem tem dinheiro.
Como ficou a situação com seu sócio, Carlos Wizard, depois que ele ensaiou ir para o governo?
Ele tem 20% da empresa, é sócio minoritário, não atua na gestão nem participa do conselho. Passou os últimos dois anos em Roraima para uma missão humanitária, a interiorização de venezuelanos. Era pela igreja, ele é mórmon. Lá, conheceu o Pazuello (Eduardo, ministro interino da Saúde). Quando o general subiu, convidou o Carlos para ajudar. Ele aceitou, desde que não ganhasse salário. E fez isso sem comentar comigo. Não gostei, fiz um post no Twitter para deixar claro que não sabia, fui surpreendido. Nas empresas, tem uma regra: não fazemos negócios com o governo. Nunca disputamos uma licitação. É proibido. Não tem nada de errado, mas queremos distância. Tem falcatrua, corrupção. Não quero correr o risco de um funcionário de alguma região fazer esqueminha com o prefeito, algo assim. O problema explodiu, ele resolveu sair, ou melhor, não entrar. Ficamos todos felizes. Foi a volta dos que não foram.
Ter um time de futebol, o Orlando City, é negócio ou hobby?
É 100% negócio. Investi R$ 200 milhões, hoje vale mais de R$ 2 bilhões. O sport business nos Estados Unidos é muito forte. Como empresário, faço negócios. Claro que é divertido, interessante, mas é o fato de ser um negócio que faz funcionar. No Brasil, o futebol não vai para a frente, tem muitas dívidas, porque é político. O presidente do clube toma decisões para ser reeleito. E não responde com seu patrimônio pessoal. Aqui, não, lucro e prejuízo são meus. Qualquer besteira que faça, tenho de bancar.
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