Na semana passada, foi sancionada a lei 14.011, que facilita a venda de imóveis da União, inclusive com desconto de 25% caso não haja compradores na primeira tentativa de leilão. Parte do que o ministro da Economia, Paulo Guedes, chama de "desimobilização", era um de seus três "trilhões" – com a reforma da Previdência, que rendeu R$ 800 bilhões – e as privatizações, que ainda não avançaram. Na nova estimativa, a expectativa do governo é arrecadar cerca de R$ 30 bilhões nos próximos três anos. Conforme o especialista em Direito Imobiliário Nicolas Paiva, sócio do escritório Silveiro Advogados, o valor total dos imóveis da União chega a R$ 1,3 trilhão, mas apenas 16% pode ser vendido.
O trilhão de Guedes não existia?
Quando o ministro mencionou esse valor, estava se referindo ao total de avaliação dos ativos imobiliários da União. Conforme o balanço de dezembro de 2019, até passava disso, era de R$ 1,3 trilhão. A questão é que, infelizmente, nem todos podem ser vendidos. Há uma separação de bens públicos em três tipos, e a União só pode vender os que são chamados de bens dominicais (o nome vem do latim dominus, dono), que são aqueles sobre os quais tem plenos direitos. Esse tipo corresponde a cerca de 16% do total, o que significa valor de R$ 215 bilhões.
Quais são os outros tipos de imóveis?
São os chamados de uso comum do povo, como estradas, ruas, praças, e os de uso especial, os que têm utilidade pública, onde são prestados serviços, como hospitais, escolas, quartéis. Esses, que são usados para serviços administrativos e públicos, correspondem a 53% do total de imóveis da União. Um dos objetivos da nova lei é reavaliar se essa classificação está correta.
Como isso pode ser feito?
Nunca foi dada a atenção necessária para esse tipo de patrimônio. Em 50 anos, a União não conseguiu sequer regularizar muitos desses imóveis. A lei permite adotar mecanismos para gerir a regularização, tornar o processo mais eficiente, próximo ao feito na área privada. Permite contratar o BNDES ou órgãos públicos para constituir um fundo de investimento imobiliário. Haverá uma equipe mais especializada, interessada em acelerar a análise. Vai avaliar se determinado tipo de imóvel. hoje contabilizado como de uso especial, pode ter virado dominical e, assim, permitir a venda. Esse mecanismo tem um nome técnico, que é desafetação. Pode ser que os R$ 215 bilhões aumentem para R$ 500 bilhões.
O principal alvo são imóveis antes utilizados para o serviço público mas agora estão sem utilidade e podem ser objeto de desafetação.
Mas isso significa que o governo poderá vender praças, por exemplo?
Não se trata disso. Um bom exemplo é aquele prédio que desabou em São Paulo (o edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, que pegou fogo e ruiu em 1º de maio de 2018). Era da União, havia sido de uso especial e provavelmente estava contabilizado assim, mas na verdade estava abandonado. É importante identificar esses imóveis. Não é o caso de praças ou outros bens públicos, mas de avaliar se todos os bens que constam como de uso especial de fato estão sendo utilizados. O principal alvo são imóveis antes utilizados para o serviço público mas agora estão sem utilidade e podem ser objeto de desafetação.
E como vai funcionar a oferta?
O site imoveis.economia.gov.br tem cadastrados os bens passíveis de alienação para oferta pública. Haverá uma atuação mais ativa da União e dos órgãos que vierem a ser contratados para classificar e alienar esses bens. O site permite envio de proposta, em contato direto com a Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União.
Se a oferta for maior do que o preço de mercado, a venda possa ocorrer de forma rápida. Se for menor, será preciso fazer leilão.
Mas terá de observar princípios da licitação pública, certo?
Um dos objetivos é mudar os procedimentos de avaliação. Um dos problemas que foram identificados é que não havia atualização dos valores de mercado desses pensa. Agora, foi criado um levantamento, com base em pesquisa de mercado. Se a oferta for maior do que o preço de mercado, a venda possa ocorrer de forma rápida. Se for menor, será preciso fazer leilão.
Deve ser o mais provável?
Sim, de fato. Mas um dos pontos importantes da nova lei é que vai haver possibilidade de dar desconto de até 25% no valor de avaliação já na segunda praça. O governo vai preparar um lote, pôr em praça para leilão. Se não houver interessados, na segunda oferta já pode ir com desconto de 25%. Antes dessa lei, o desconto máximo era de 10% e somente na terceira praça para imóveis no valor de até R$ 5 milhões. Era para não vender, mesmo. Agora, não tem mais essa limitação.
Essa alienação de imóveis é importante, porque gera receita para a União e também para Estados e municípios. Se vende um imóvel, gera IPTU, imposto de transmissão.
Nesse caso, o potencial de R$ 215 bilhões cai para R$ 182 bilhões?
No que está lançado contabilmente, sim, mas como não havia atualização, na avaliação desses imóveis pelo mercado, pode haver uma atualização acima do valor contábil. Essa alienação de imóveis é importante, porque gera receita para a União e também para Estados e municípios. Se vende um imóvel, gera IPTU, imposto de transmissão. Ajuda os cofres de municípios e Estados, ainda que de forma indireta.
Esse momento não é desafiador para vender imóveis?
Em momentos de incerteza, as pessoas acabam investindo menos, mas tudo depende do perfil do ativo. Estão crescendo muito os fundos de investimento imobiliário com foco em projetos residenciais. Até agora, estavam mais em torno de prédios corporativos, shopping. Se houver uma oferta que agrade ao mercado, pode haver mais demanda do que oferta inclusive.
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