A morte do negro norte-americano George Floyd desencadeou manifestações e debates sobre o racismo estrutural. No Brasil, a discussão sobre práticas antirracistas ganharam força. Nas redes sociais, a #blacklivesmatter (vidas negras importam) pautou as discussões e provocou internautas a refletir sobre ações práticas contra o racismo, como estimular o empreendedorismo negro e a aumentar a presença de profissionais negros em grandes empresas. Duas semanas depois do início da onda de manifestações, a coluna conversou com Maria Cristina dos Santos, que atuou no mercado financeiro e está à frente da Odabá-Reafro-RS, associação de afroempreendedorismo que visa promover a ascensão econômica de pessoas negras.
Como você define o empreendedorismo negro?
É estimular a inovação e a geração de negócios de modo a ampliar as oportunidades de trabalho e renda dos negros no Brasil. É usar o empreendedorismo como estratégia de desenvolvimento e inclusão social.
Estimular o empreendedorismo negro pode ser considerada uma prática antirracista?
Com certeza, pois os consumidores estarão fortalecendo o movimento dos afroempreendedores e possibilitando visibilidade e oportunidades a novos negócios. Quem não é negro precisa se perguntar o que pode fazer como pessoa privilegiada. O empoderamento econômico de pessoas negras é fundamental. É muito importante comprar e consumir de pessoas negras.
Os negros são maioria entre os microempreendedores brasileiros. Qual a principal motivação desses profissionais?
Somos mais de 50% dos microempreendedores brasileiros, o empreendedorismo está na gente. Com a abolição da escravatura, as pessoas negras escravizadas foram obrigadas a buscar alternativas para sobreviver. Até hoje, algumas pessoas negras empreendem por necessidade. Decidem abrir o próprio negócio muitas vezes por não conseguirem se inserir no mercado de trabalho ou após perderem o emprego.
Outro gargalo são as crenças limitantes impostas pela sociedade, que abordam o fracasso e não o sucesso das pessoas negras.
MARIA CRISTINA DOS SANTOS
Quais são os principais gargalos para negros empreenderem no Brasil?
A maioria dos micro e pequenos empreendedores não têm acesso a linhas de crédito, essa é a principal dificuldade. Outro gargalo são as crenças limitantes impostas pela sociedade, que abordam o fracasso e não o sucesso das pessoas negras. Além disso, para empreender atualmente é preciso saber um pouco de tudo, ter noção de finanças, de gestão e comunicação.
De que forma esses problemas podem ser reduzidos?
Por meio de mentorias, especializações, acesso a crédito com juros menores, além de maiores oportunidades no mercado profissional em geral.
Empreendedores negros deveriam ter mais acesso à educação financeira?
Sim, a sociedade não foi preparada para isso. Deveríamos ter um projeto de educação financeira nas escolas de ensino fundamental e médio. Em geral, as pessoas negras não conseguem desenvolver um projeto financeiro. É tudo sempre muito imediato, os rendimentos são direcionados para o pagamento de contas. Não existe a opção de separar 'isso é para pagar conta, esse valor é para os meus projetos, esse montante vou guardar'.
É fundamental ter a presença de pessoas negras nos espaços de comando.
MARIA CRISTINA DOS SANTOS
Como as empresas podem estimular a presença de profissionais negros no seu quadro?
É um bom momento para discutir isso, os olhos estão voltados para essa pauta. A empresa precisa estar disposta a discutir o racismo estrutural, pois é um problema da sociedade, especificamente das pessoas brancas. É fundamental buscar grupos que promovem diversidade nas empresas. Além disso, os líderes precisa estar engajados em buscar uma solução para o problema. É mais fácil de abordar o tema quando os gestores participam dos debates. Não basta só as pessoas negras entrarem nas empresas só por meio de programas de estágio e serviços de limpeza. Isso é importante, mas é fundamental ter a presença de pessoas negras nos espaços de comando. As empresas precisam se organizar e fazer uma formação antirracista, principalmente na área de recursos humanos.
Que papel a Odabá-Reafro/RS procura cumprir?
Atuamos fortalecendo os negócios de afroempreendedores, por meio de vários projetos e programas para seus associados. Uma das nossas atividades é o projeto Empodera Afro, que faz um diagnóstico do negócio detectando as áreas de maior necessidade de cuidado ou correção.
* Colaborou Camila Silva
Leia mais colunas de Marta Sfredo