A saída da economista-chefe da XP, Zeina Latif, provocou celeuma porque poderia ter sido causada por "excesso de independência" da analista em relação ao governo federal. Nessa entrevista, a respeitada profissional desfaz mal-entendidos e dá seu diagnóstico sobre a economia.
Você deixou a XP por "excesso de independência"?
Diria que não, eu quis sair, era algo que vinha ensaiando. Muito tempo de mercado financeiro é desgastante. Tenho sentimento de gratidão à XP. Nenhum emprego é ideal, tem críticas e discordâncias. Vale também para o lado deles. A demanda pelo meu trabalho na empresa era enorme. Se houvesse essa questão como ponto central, teria ficado ociosa, o que não é verdade. Da mesma forma que críticas e divergências fazem parte da vida , algumas pessoas da empresa discordavam da minha visão, da abordagem que fazia, da minha postura mais crítica ao governo. E não a este governo. Entrei na XP em 2014, não havia dia que não criticava o governo Dilma. O próprio governo Temer, que deixou legado importante, foi alvo de artigos duros. Às vezes, estava errada, acontece. Duvido que qualquer outra instituição do mercado financeiro dê a seu economista a liberdade que a XP me deu. A saída tem relação com um ciclo, vou trabalhar como consultora, tocar outros projetos.
Espera retomada em 2020?
Sobre o crescimento do PIB, o risco de grandes decepções, como em anos anteriores, diminuiu bastante. Nunca fui otimista sobre 2019, tinha visão diferente do mercado. O ponto é que vemos, finalmente e de forma defasada, o efeito do corte de juro conduzido ainda no governo Temer. Esse pano de fundo é fundamental. O resultado atrasou porque havia número elevado de pedidos de recuperação judicial, o que continua, mas melhorou, e muito peso de inadimplência no faturamento das empresas. Isso ajuda a aumentar a potência da política monetária. Os juros na ponta estão muito elevados, mas existe uma tendência geral de queda, a oferta de crédito começa a voltar. As empresas de pequeno e médio porte que estava fora do jogo, hoje já começam a sentir, é muito lento, mas já sentem uma maior capilaridade. Nas vendas do varejo, tudo que é sensível a crédito vai bem, como construção civil, aquisição de imóveis. São estágios ainda iniciais, tem muito efeito da política monetária ainda para se materializar. Se juntar a isso, os leilões de infraestrutura, aos poucos vão aumentando os investimentos. Choques são imponderáveis, mas, em uma economia em dinâmica mais favorável, há melhores condições de superar o impacto.
O que pode atrapalhar?
Tem uma lição de casa para fazer. Não tenho dúvida da ambição do ministro da Economia, Paulo Guedes, mas o governo tem problema de falta de clareza de agendas. Não em relação a objetivo, mas ao caminho. O que é prioridade, como vai encaminhar assuntos no Congresso. Sinto falta de coordenação da Casa Civil. Apesar da sinalização positiva para PIB, ainda que a redução do desemprego seja lenta, a minha preocupação se vamos ter mesmo condições de seguir nessa toada. Quando a economia começa a melhorar, paramos, desaceleramos. Precisamos ser mais ambiciosos, o Brasil teve uma grave crise e ainda existem muitas pessoas em sofrimento, famílias, empresas, não dá para se acomodar diante do primeiro sinal de reação. O primeiro ano de governo teve muitos pontos positivos, mas deixou a desejar quando olhamos outras frentes de batalha. Perdeu tempo no primeiro ano que é, naturalmente, o mais reformista. As próprias lideranças no Congresso admitem que o segundo semestre deste ano é difícil, há temas não pacificados. O alerta é no sentindo de evitar a complacência, ver a bolsa subindo e achar que pode diminuir o ritmo.
Quais seriam as prioridades?
Tem um trabalho que pode ser importante na Receita Federal e vejo técnicos focados nessa agenda. Não é apenas a reforma tributária, é reduzir a insegurança jurídica. É uma agenda silenciosa, do dia a dia, de revogar complexidades. O governo perdeu uma janela para avançar na reforma tributária. E todas essas discussões têm que ser feitas em contexto de abertura de economia.