O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
O economista Cláudio Frischtak vê avanços recentes na área de infraestrutura do país, mas demonstra preocupação com ruídos da "ala ideológica" do governo Jair Bolsonaro. Nesta entrevista, o sócio-gestor da consultoria Inter.B relata que investidores estrangeiros têm sinalizado maior temor com a política ambiental no Brasil.
Qual o cenário para o setor de infraestrutura no país?
Tivemos tentativa com o Estado liderando os processos de investimentos em infraestrutura. Não deu certo. O resultado das obras geralmente não é bom. Costumam custar e demorar mais do que o previsto. Então, buscou-se nos últimos anos trazer o setor privado para liderar os processos de investimento. Não há alternativa, já que a questão fiscal é gravíssima, e a capacidade de execução do setor privado é muito melhor.
Houve avanços recentes?
No governo Michel Temer, houve inovação institucional introduzida com o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos). A principal vantagem dele é ter uma instância que permite interlocução com o setor privado dentro do setor público. A área de infraestrutura está avançando? Está. Houve avanço, mas não de maneira uniforme. Na área de logística, de transportes, teve ganhos.
Quais são os principais estímulos e riscos ao setor de infraestrutura hoje?
O que é interessante no Brasil? O excesso de demanda no setor. O território extenso também é atraente. O capital estrangeiro está vindo investir em infraestrutura? Sim. O capital que está saindo é de outra natureza, porque está procurando retorno no curto prazo. O que está faltando? Há projetos que têm de avançar no Congresso, como o do saneamento básico. Trazem estabilidade jurídica. Outro ponto é de previsibilidade regulatória. Em 2019, foi aprovada lei das agências reguladoras. Mas continua havendo, por parte do Executivo, falta de compreensão do papel das agências. Há tentativas de interferência. Nesse sentido, Bolsonaro é muito parecido com (o ex-presidente) Lula.
Por quê?
Ao assumir a Presidência, em 2003, Lula criticou as agências, dizendo que estariam governando o país. Bolsonaro faz algo semelhante. Existe falta de compreensão. Outra questão que gera bastante desconforto, principalmente entre investidores estrangeiros, é a ambiental. Sabemos que o governo tem uma ala ideológica e outra pragmática. O Ministério da Economia é pragmático. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, também. Mas a ala ideológica atrapalha muito. Destaco o ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles). O que ele fala e a maneira como age estão atrapalhando. Os investidores não entendem o ruído e as sinalizações dadas. A redoma ideológica no Planalto dificulta o entendimento de que o mundo está mudando rapidamente. Isto é um fato: conversando com investidores, de um ano para cá, houve mudança dramática.
Qual foi a mudança?
Gente que nunca perguntava sobre meio ambiente e aquecimento global está fazendo perguntas sobre esses pontos no começo das conversas. O governo não entendeu isso. Quando falo do governo, me refiro ao Palácio do Planalto e ao Ministério do Meio Ambiente. É preciso se colocar em uma situação inteligente e compreender que o mundo mudou. Não é problema de direita ou esquerda.
Na sexta-feira (17), Roberto Alvim foi demitido da Secretaria da Cultura por divulgar vídeo com referência a conteúdo nazista. Como esse tipo de ação repercute entre investidores?
O Estado é composto por vasos comunicantes. Por exemplo, decisões extravagantes de um juiz, mesmo que não tenham relação direta com infraestrutura, atrapalham muito o setor. No que tange ao ex-secretário, é uma coisa terrível. Também afeta. Estamos conseguindo dar tiro no pé. O Brasil tinha imagem razoável, de país pacífico, mas com problemas. Hoje, nossa imagem se deteriorou muito. O dano que esse sujeito (Alvim) fez, com essa coisa de péssimo gosto, maluca, chama-se irresponsabilidade extrema. É um agente público. Não é um cara que está tomando uma garrafa de cerveja na esquina. De novo, são dois governos em um só, uma coisa meio esquizofrênica. Tem uma parte trabalhando e outra que gera ruído em cima de ruído. Espero que, em algum momento, alguém alerte o Palácio do Planalto, o presidente.
Qual o cenário para a economia brasileira em 2020?
A economia está em processo de recuperação cíclica. Em 2020, devemos ter a economia global mais generosa, a redução no custo do capital por causa do juro baixo e o Congresso colaborando novamente com o governo nas reformas. Estamos moderadamente otimistas. Não devemos ter crescimento brilhante, mas mais sólido. Isso, por sua vez, atrai mais recursos e demanda para o setor de infraestrutura.