Nem deu tempo para estourar os fogos, e o impacto da reviravolta que o governo Bolsonaro vai representar na economia já começa a ser sentido. Decisão tomada ainda no governo Temer prevê uma pesada redução de alíquotas de importação no setor de bens de capital e de tecnologia da informação que, na prática, representa mais facilidade para produtos estrangeiros entrarem no Brasil, a preços mais baixos. Para entrar em vigor, ainda precisa de confirmação pelo novo governo, mas como está alinhada à estratégia do futuro superministro da Economia, Paulo Guedes, dificilmente será revista. Boa para o consumidor, a medida pode representar grandes perdas para indústrias nacionais e reduzir o nível já baixo de emprego.
Em tese, a entrada de produtos estrangeiros mais baratos, por conta da tarifa menor, teria o efeito de aumentar a concorrência e baixar os preços. No entanto, também representa perda de mercado para as indústrias nacionais, que representam muitos postos de trabalho e bom poder de compra. Outra questão levantada pelo empresariado e pelos especialistas em comércio exterior é o fato de o Brasil perder um elemento de barganha nas negociações com outros países. Em tratativas com outras nações, as tarifas de importação são a principal moeda de troca. Reduções são habitualmente condicionadas a contrapartidas, ou seja, um mercado reduz a tarifa de importação de máquinas, por exemplo, e a outra parte aceita baixar alíquotas ou outras barreiras para entrada de produtos agrícolas.
No último dia útil do ano, a Câmara de Comércio Exterior do Ministério da Fazenda aprovou a redução da alíquota média que incide sobre a entrada de produtos no Brasil de 14% para 4%, em prazo de quatro anos. É a famosa "abertura unilateral" do comércio brasileiro defendida pelo presidente eleito na campanha e já esboçada no governo Temer com a medida que abriu o mercado nacional de aviação para empresas 100% controladas por estrangeiros.
O anúncio da medida, feito no final da sexta-feira pelo quase ex-ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, espalhou inquietação pela indústria e entre especialistas em comércio exterior. A Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) afirmou que não foi consultada e espera que Guedes converse com o setor antes de confirmar a abertura. Como a interlocução do futuro ministro com o setor industrial não tem sido marcada por momentos amenos – disse que o salvaria "apesar dos industriais" e avisou que iria "meter a faca" no Sistema S –, as perspectivas não são favoráveis ao setor.
Especialistas detalham que, em um primeiro momento, os segmentos mais atingidos seriam o de bens de capital (indústrias que produzem máquinas e equipamentos para outras fábricas) e o que fazem produtos para tecnologia da informação, mas a medida poderia ser estendida a outros. À coluna, o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral manifestou sua preocupação na manhã deste domingo:
– A abertura comercial é positiva para a economia brasileira, mas deve ser acompanhada de reformas para redução do custo-Brasil, ou haverá impactos graves para investimento e emprego.
Um empresário gaúcho do segmento, que tem muito peso na economia gaúcha, também manifestou inquietação, embora tenha preferido não se identificar. Ponderou que a indústria, hoje, oferece um determinado número de empregos e arrecada um certo valor de impostos, volumes que precisam ser preservado. Reduzir tarifas de importação em razão de um pretenso aumento de competitividade sem contrapartida de outros países, adverte, poderá "levar à destruição desse setor industrial". Por isso, defende que a medida tem de ser "muito bem pensada" e discutida em profundidade com todos os envolvidos.