A recessão foi particularmente severa no setor metalmecânico, no qual atual a Randon SA, indústria de Caxias do Sul que está entre as 10 maiores fabricantes de semirreboques do mundo. O mercado chegou a encolher 67% nos anos mais duros, 2015 e 2016. Antevendo a crise, o grupo buscou se capitalizar antes do pior momento – mesmo com juro alto –, enxugou a estrutura, buscou inovação. Graças a aquisições, a maioria no Exterior, tem hoje 11 mil funcionários, quase o mesmo número que existia em 2014. David Randon, presidente da empresa que leva o nome da família, foi o entrevistado do 18º Fórum Respostas Capitais, realizado ontem na sede do Grupo RBS. Disse ter percebido os primeiros sinais da virada em outubro de 2017, durante tradicional feira do setor de transporte (Fenantran):
– Foi um ano difícil, mas depois do segundo turno, os pedidos começaram a sair das gavetas – relatou, observando que há demanda reprimida.
O que mudou entre a Randon pré-crise e a pós-crise?
A Randon, nos últimos anos, passou por uma crise muito violenta como todas as empresas no Brasil, mas teve um lado positivo. No início da crise, a primeira coisa que os clientes fizeram nesse setor estavam com um financiamento muito grande, a gente já estava vendo isso se desenhar. mas teve um lado positivo. Primeiramente, teve que fazer uma reestruturação da empresa em todos os níveis, não só no chão de fábrica. Depois, teve de se moldar aos novos tempos, tivemos de trabalhar muito forte na área de novas tecnologias, implementar novos processos, tivemos que fazer um trabalho muito forte de inovação. Quando se entra em uma crise, o mais importante é buscar novos caminhos em que possa reduzir custos, buscar novos materiais, novas tecnologias, para poder entregar o mesmo produto, ou até melhor, para que possa ser mais competitivo. Foi a grande virada que a Randon fez nos últimos três anos.
Qual o lado positivo de uma crise, ainda mais desse tamanho?
É, não se imaginava que fosse tão grande. Meu pai (Raul Randon, falecido em março passado) dizia que nunca havia visto uma igual. Enquanto as compras de caminhões e ônibus caíram muito, na reposição foi ao contrário. Quando se deixa de comprar carro, caminhão ou semi-reboque, há mais revisão, então a área de reposição de peças não sentiu tanto. Na exportação e que tem mercados lá fora, essa sofreu muito, algumas até saíram do mercado outras ainda estão sofrendo porque não tem capital para poder girar o negócio. Quando a empresa cresce e o mercado está bom, vai agregando coisas que não têm valor, mas têm custo. Na crise, vê o que não precisa.A concordata pedida pela empresa nos anos 1980 era sempre mencionada como lição por seu pai.
Ajudou a superar a crise?
Sim, uma das lições é de que, durante crises, caixa é essencial. Tínhamos plano A, para queda ade 20%, B, para 30%, C... Então foi “puxar as gavetas”, porque os ciclos são normais nas empresas. Aí, nos focamos em se fazer esse trabalho, só que nós não achávamos que ia ser tão forte. Uma empresa sem caixa não anda, independentemente da parte econômica. Vimos em 2014 que ia haver crise, estávamos um pouco alavancados, nós corremos na frente dos bancos em que tínhamos crédito e buscamos o máximo possível. Pagamos caro, mas não interessava, o problema era a crise. Então, isso ajudou a ter um tempo com caixa para poder ajustar.
A Randon já conseguiu voltar ao nível anterior ao da crise?
O auge se deu em 2015 e 2016. Mas já em 2015 começamos a ajustar a fábrica para o momento que estava acontecendo não só no Brasil, mas também no Exterior. A partir de 2017, a empresa começou a virar seu projeto. Agora, em 2018, já saiu da crise pela qual passamos, o mercado melhorou substancialmente. Posso dizer que, nesses últimos meses, chegamos a fazer novas aquisições. Então, já estamos em uma fase muito boa. É bom ressaltar que a crise nos ajudou para que a gente viesse mais forte para participar desse mercado que está desenvolvendo e crescendo.
Quantos funcionários havia antes da crise, e quantos são agora?
Eram 12 mil, hoje já estamos com 11 mil, mas boa parte da recuperação de vagas vem de aquisições. Também não foram recontratadas pessoas para os mesmos cargos. Para dar ideia do que transformamos na fábrica, fazíamos 120 produtos por dia com 4,5 mil pessoas, agora chegamos a 130 ao dia com 1,2 mil pessoas a menos. A Randon tem buscado inovação.
Quais são as áreas que desenvolve?
Quando a Randon iniciou, era uma startup da época (risos). A empresa precisa se aprimorar no mundo digital. Temos três projetos. Um é o ExO, com um grupo de fora da empresa, olhando as necessidades e buscando startups que possam contribuir. Já temos uma parceria na área de recursos humanos, que rendeu redução de custo de 35%. Uma segunda fase foi começar com o Instituto Hercílio Randon (IHR) dentro da PUC, com atividades da nossa área de produção e tecnologia, com a universidade. Uma terceira iniciativa, mais recente, que chamamos de Hélice, reúne quatro empresas da Serra: Randon, Marcopolo, Florense e Soprano. Estamos unidos com entidades locais, como prefeitura e Câmara de Indústria e Comércio de Caxias do Sul. Estamos desenvolvendo startups, com apoio da aceleradora Ace, para buscar parceiros que desenvolvam projeto para reduzir nossos custos.
Quando começaram a perceber que o pior havia ficado para trás?
O primeiro sinal veio em outubro de 2017, na época da Fenatran, uma feira importante do setor. Muita gente não foi, nós quisemos participar, porque era importante, e percebemos que começava a haver alguma reação. Um pouco por conta da troca de governo, um pouco por necessidade, porque quem não troca frota e equipamentos em três ou quatro anos acaba perdendo eficiência. Outro sinal forte veio há pouco. Este foi um ano difícil, mas, depois do segundo das eleições, os pedidos começaram a sair das gavetas. Vejo o novo governo com bom potencial decrescimento, mas muitas dificuldades nos primeiros seis meses. Se as reformas avançarem, ao menos em parte, podemos ter uma arrancada.
A crise do Estado impacta?
Impactar, impacta. Mas não há muito que se possa fazer a não ser atuar para convencer o governo a tomar as medidas certas. As entidades empresariais deveriam se unir para ganhar força no sentido de pensar mais no Estado e em suas necessidades.
*Com Anderson Mello