Fundado em Nova Petrópolis em 1902, o Banco Cooperativo Sicredi tem agências em 92% das cidades gaúchas e se expandiu para todo o Brasil. No final de 2017, lançou sua ferramenta digital, o Woop. Presidente-executivo nacional, João Tavares, diz que é uma cooperativa digital, não apenas um banco. Na era do compartilhamento, o Sicredi mantém os princípios associativistas há mais de um século, destacou Gerson Ricardo Seefeld, diretor-executivo da Central Sicredi Sul. Os dois executivos participaram, na quinta-feira, de edição especial do Fórum Respostas Capitais na Casa RBS, na Expointer, em Esteio.
O que há em comum entre a cooperativa fundada em 1902 e a empresa que está organizando um hackaton (maratona de desenvolvedores de tecnologia)?
Tavares _ A relação é muito íntima. O movimento cooperativista nasceu da necessidade das pessoas de se juntar. Tem tudo haver com o que a gente vive hoje no mercado digital, onde não se espera mais as soluções de uma grande empresa. As pessoas se juntam e criam algo. É o que fazemos no mundo digital, que é muito menor do que o mundo das cooperativas. Reunimos jovens desenvolvedores, oferecemos estrutura tecnológica, para que desenvolvam soluções. As empresas costumam fazer hackathons para resolver um problema próprio. Fizemos algo diferente, é um hackathon para resolver roblemas da comunidade, que é a lógica do cooperativismo. No mundo digital é o mesmo, a comunidade só ganhou espectro maior.
Como buscar soluções pragmáticas na inovação, não apenas entrar na onda?
Seefeld – A evolução pela qual o Sicredi passa é pela necessidade de atender o associado, temos um compromisso muito forte nas comunidades e nos municípios. É a evolução natural pela qual a sociedade está passando. O Rio Grande do Sul tem cinco cooperativas que passaram dos cem anos. Faz parte do compromisso de estar junto e apoiar o crescimento econômico e social das pessoas e das comunidades.
O Sicredi apareceu em 10º lugar entre as instituições financeiras do Brasil. Quer um lugar entre os grandes?
Tavares – A visão é de que a sociedade quer o Sicredi entre os grandes. Será do tamanho que seus associados querem. Nosso papel é viabilizar. A tecnologia não está só no meio eletrônico, está também na forma de fazer gestão. Estamos evolui muito na metodologia de gestão do Sicredi, ao ponto de ser a maior instituição financeira em crédito para pequeno produtor. Não é artesanal. Então, se unir o atendimento ao pequeno de forma viável, usando metodologia de gestão avançada, com suporte de tecnologia, naturalmente vamos crescer mais que o mercado. Estamos crescendo 18%, 20% ao ano, enquanto o mercado cresce 3%. A sociedade olha e pensa, 'o produto é bom, barato, funciona e ainda fico com o resultado', então, é natural que cresça.
Por que o juro de um banco cooperativado é de mercado?
Seefeld – A instituição, por sua natureza cooperativa, busca trabalhar com taxas justas, no sentido da eficiência, de fazer com que o associado tenha soluções, crédito para o seu negócio. Trabalhamos uma questão muito importante que é a transparência para o associado, de maneira que sinta que a cooperativa é parceira no dia a dia. Não temos hoje crédito que leve a assistencialismo, não é dessa forma que as cooperativas operam. Precisam ter viabilidade econômica, capacidade de investimento em tecnologia, atualização, estrutura patrimonial para atender às exigências do Banco Central. É um contexto complexo de uma instituição financeira, mas diferente, cooperativa de crédito.
Tavares – Se a taxa paga ficou acima do ponto de equilíbrio, no final do ano há a distribuição das sobras, que é o resultado, o dividendo da cooperativa. É pago com a base que tem cada empresa, dependendo da participação no capital. No cooperativismo, se fiz empréstimo e paguei, parte do valor daquela taxa volta como sobra no final do ano. Outro aspecto é o grande diferencial é levar linhas de crédito mais sofisticadas onde ninguém mais leva.
A concentração no sistema financeiro afeta o Sicredi?
Tavares – Tem duas formas de se encarar, como vítima ou como protagonista. Encaramos como protagonistas. Se atender meu associado como um banco, vou ser um banquinho. Achamos um nicho de trabalho. Nunca fomos vítima de ação dos grandes bancos que nos tirasse a liberdade. É importante alertar que há operações no Brasil, principalmente no agro, aproveitando que estamos na Expointer, dedicadas somente aos bancos oficiais. Isso limita muito a competitividade. A abertura do setor financeiro está ocorrendo, há o movimento das fintechs que tentam desintermediar o negócio bancário. Na minha visão, esse mercado tradicional, de transferir dinheiro de A para B, um dia isso vai ser commodity, a Amazon talvez vai fazer. Vão sobrar as instituições financeiras que tiverem algo a oferecer. A sociedade está buscando outras formas de fazer seus próprios negócios.
O que diferencia a política de crédito de um banco e de uma cooperativa?
Seefeld – Em uma cooperativa, o crédito é formatado e estruturado para atender ao associado. É customizado para as demandas locais. Uma grande instituição financeira atende de forma genérica. Também há preocupação de formatar e direcional o crédito para que possamos promover desenvolvimento local. Temos trabalhado muito o crédito responsável, a educação financeira, que complementa e leva conhecimento para as pessoas fazerem bom uso de crédito. O Sicredi está presente em 454 municípios dos 497 do Estado. Está em 92% dos municípios, com presença física. Essa é uma grande fortaleza, um compromisso que temos com as pessoas, as comunidades, enquanto as instituições financeiras tradicionais olham os cifrões. Temos mais de uma centena de linha de crédito. Existem critérios técnicos de avaliação de perfil, de relacionamento. Não diria que a exigência de garantias é igual à de um banco. Temos um modelo interno de avaliação de risco.
Tavares – O foco é viabilizar o projeto. Se é viável, encontra a linha perfeita. Não se concede crédito baseado na garantia, pensando que, se não pagar, tiro a garantia. Estaria tirando a garantia do meu próprio dono (o associado), fica meio estranho. O Sicredi é a instituição que mais faz maior número de operações de BNDES. É o maior operador do Brasil de crédito para agricultura familiar. Não financiamos oportunistas, financiamos o camarada que quer se tornar associado.
A inadimplência pesou, como em todo o sistema?
Tavares _ O Sicredi tem uma tradição de inadimplência bastante baixa. Hoje, menos de 2%. Durante a crise, chegou acima de 3%. O pulo da gato é o trabalho que é feito nas cooperativas, que faz com que a gente saia do risco muito rápido. Só que tem custo operacional alto. Internalizamos parte do conhecimento de sistemas e hoje, metade da nossa decisão de crédito é automatizada. Isso permitiu evitar um pico de inadimplência.
O Sicredi tem linha de crédito para startups?
Tavares – Estamos nos aproximando. Ainda não temos a mesma experiência de outros ramos, como micro e pequena empresa. A iniciativa de estar no Tecnopuc é para entender esse ecossistema. Queremos nos aproximar. Temos o projeto Inovar Juntos, pedimos o apoio de uma empresa que vai selecionar startups para resolver 12 problemas do Sicredi.
A presença em 92% dos municípios gaúchos é sustentável?
Seefeld – Temos procurado estar presentes nas comunidades e, ao mesmo tempo, ajustar as estruturas de atendimento, sempre de olho na viabilidade econômica. Toda agência tem de ter viabilidade, não somos entidade assistencialista. O associado cobra no final do ano, na assembleia, que a unidade do município tenha resultado, que essa agência contribua.
O quanto preocupam os frequentes assaltos nas agências no Interior?
Seefeld – Temos feito investimento contínuos e frequentes e preparando infraestrutura. Temos monitoramento 24 horas por dia, sete dias por semana. Temos também o compromisso de fazer com que a Brigada Militar fique no município. Não somos imunes ao problema, mas estamos conseguindo minimizar. Também fazemos conscientização para as pessoas utilizem mais os meios eletrônicos para pagar contas e fazer operações bancárias.
O que o Sicredi foi buscar ao se instalar no Tecnopuc?
Tavares – Temos 200 pessoas lá. Para poder estar em tantos municípios, precisamos ter tecnologia atual, que sai caro. Como toda instituição financeiro do país, temos sistema modernos e antigos. Nossa plataforma digital de cooperativismo, o Woop, não é um banco digital. É uma cooperativa digital. Abre a conta com foto dos documentos, leva sete minutos para abrir a conta. Tem atendimento por chat, tudo o que as pessoas gostam, mas tem educação financeira como adicional. O mais interessante, ao se aproximar desse ecossistema, é que estamos revendo a forma de administrar a empresa. Internalizar uma nova forma de pensar é mais difícil. Estamos pensando em metodologia para trazer para o nosso mundo não tão digital.
O futuro dos negócios financeiros passa mesmo pelo blockchain (sistema de registro de criptomoedas)?
Tavares – Um dos custos altos de uma instituição financeira, são os de registro. O blockchain elimina esse custo alto. Estamos nos aproximando do ecossistema do Banco Central para estudar o blockchain. A intenção é criar uma comunidade para melhorar todas as operações e diminuir o custo de registro. É uma tendência que não tem jeito, veio para ficar. Não operamos com criptomoedas, estamos fora desse mercado.
Como o Sicredi vê as fintechs?
Lutar contra as fintechs é um esforço inútil. É incorporar. É como lutar contra a internet. O que tem de construir é um ecossistema. O segundo mercado que usa mais startup no Brasil é o mercado de agronegócio. Então está em todos os mercados, não podemos ficar fora disso.